sábado, 22 de dezembro de 2012

Não posso

Pode ser
que depois das seis
eu já não esteja em casa.
Nem adianta ligar
não ouço nada quando estou
na rua
Estarei preocupada demais
olhando pra nada
procurando gente
para depois deixá-las no
caminho
brincando de bêbada
tamborilo os dedos
nas pernas numa canção sem nenhum
nenhum ritmo.
suspiro.
Experimento a guia 
tropeço em meus pés
tento um andar reto
nas linhas demarcadas
não posso.
Astigmatismo.


Há coisas que me dão preguiça. Uma delas são pessoas que acreditam que a vida se lhes desenrola como em um livro, e que os acontecimentos são tão maravilhosos ou desastrosos que seria um roteiro certo. Ora, todos nós passamos por provações que dariam belos romances. Todos temos algo para dizer. Não se pode deixar cair na pretensão de que as coisas mais incríveis ( o que é mais difícil), e as mais bizarras só acontecem com a gente. A vida se apresenta de forma muito parecida para a maior parte das pessoas - questões sobre o efêmero e a finitude, crises existenciais, sensação de sozinhez, amores correspondidos e não, amigos que se vão, incertezas e a maldita angústia da escolha. São coisas que todos partilhamos em algum momento da vida. Existimos como singular nos pequenos detalhes, na nossa bolha particular e da forma como deixamos com que ela se expanda ou se retraia.
Somos todos rasuras de romances.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Outro caso de barata.

Há um tempo tenho parado de comer carne. Presto bastante atenção em meu caminho para evitar pisar em algum bichinho, e sinto leve indignação quando alguns são mortos por descaso. Afinal, ambos temos o direito de existir, e é imprescindível de nossa parte entender que temos responsabilidades sobre estas coisas. Mas há uma em especial que me põe inquieta : E a barata?
Só de imaginá-las perambulando em um mesmo espaço me coloco ansiosa. Grandes, pequenas, avermelhadas, escuras, voadoras, não importa - o que fazer com elas? Elas entram nos seres vivos que estão, e que só por isso possuem o direito de existir, mas são tão esquisitas. Possuem asas, mas nem sabem usar direito ( as asas são principalmente para proteção do corpo), não fazem nada, são assustadas, sorrateiras, tontas e exageradamente desprezíveis - e existem pessoas assim, e nem por isso as chinelamos.
Outro dia fui para a cozinha beber água quando ouço um barulho. Por ser de noite, as coisas ficam mais assustadoras, e o barulho vinha da caixa de fósforo (Hãn?), é, atrás dela saltou uma barata grande, gorda e escura, e como de costume, fiquei gelada. Pedi socorro, e neste meio tempo ela escapava por entre as frestas da cozinha, ai meu paizinho eu não vou conseguir enfiar a mão nos armários para procurá-la, ela vai andar, botar ovos, e logo eu não vou conseguir por a mão em nada, ai meu pai, mata! Baratas me trazem essa sensação ambígua - queria poder tacar veneno e nunca mais vê-las, mas torço pra que sejam suficientemente inteligentes para encontrar a saída de casa e irem se abrigar em outro lugar. A barata da minha cozinha sumiu, e com o veneno todo, teríamos que esperar para ver se ela reapareceria viva ou morta.
Pouco tempo depois ela reapareceu, tonta, na árvore de Natal. Baratas conhecem a simbologia do Natal? Era barulhenta, e ficou ali na árvore balançando quando levou a borrifada de inseticida. Tombou. Levou o segundo jato, e caiu pra cima do móvel da mesma cor que ela. Suas patinhas para o ar moviam-se pedindo piedade, tinha o seu abdômen exposto, a cabecinha levantava e abaixava, as antenas com um movimento calmo e leve tentavam entender o que se passava com o corpo. Estava envenenada, agonizando baixo a sombra da morte que se fazia certa. A morte era Eu, observando o pobre ser. Sabia que as baratas existem há cerca de 400.000.000 de anos? E que seu organismo é praticamente o mesmo desde então? Como algo tão insignificante pode carregar consigo tamanha força? - enquanto pensava isso, a coisinha pré-histórica sufocava - Em que momento da história tornaram-se tão desprezíveis? Quanto tempo leva uma barata para morrer, porque essa, olha, foi mais de hora, até que lhe dei a chinelada da redenção. Como deve funcionar o veneno em seu corpo?
a-) A sufoca? Não sei como baratas respiram
b-)Paralisam seus orgãos?
c-)São toxinas que causam alucinações e fritam sua cabeça com desilusões até que elas próprias, de espontânea vontade, decidem morrer?
Me coloquei no papel de morte, mas não sei os motivos que as matam. Sei os meus, e acho que se colocar nesse papel é isso, pelo que parece, a gente nunca pergunta pro futuro defunto se ele tinha algum motivo, tirando quando a morte e o falecido são as mesmas pessoas, mas ai, as respostas ficarão pra sempre suspensas. Não posso dizer que me diverti, mas foi com certo fascínio que fiquei olhando aquela barata ir se abandonando até resolver dar a chinelada. Depois disso, nada muito diferente além de limpar as coisas e jogá-la no lixo junto com seus 400.000.000 de anos.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

A senhorita

Sempre lhe diziam para ter modos. Manusear bem os talheres, sentar com as pernas fechadas, não falar palavrão nem com a boca cheia. Que não era bonito rir alto, nem ter gestos muito expansivos, nem pedir pra repetir refeições, nem mexer em nada na casa dos outros. Também não era bom mostrar pele demais, nem contrariar, nem andar com cabelos desarrumados. Nada de muita maquiagem, nem de beber nada muito rápido, tossir demais também era uma indelicadeza, tinha sempre que ir ao toilette e pedir licença para se retirar da mesa, e para adentrar aos espaços, e para falar, ás vezes, sem querer, por hábito, pedia licença para respirar. Assim, pra não ser inconveniente. Vocabulário rebuscado, aprendera também a falar de diversos assuntos para melhor se colocar, não aporrinhar e nem parecer muda. Mas falar demais também era uma falta de tato, então aprendera os limites do falar para não parecer pretensiosa.
Ás vezes, corre para o banheiro e chora sem motivos. Nunca procurou saber a verdadeira razão. Permitia-se soluçar dentro de uma média de tempo que dura um xixi. Depois se recompõe, matando qualquer possibilidade de ser algo detrás disso tudo.

Alguém a observa, e puxa, uma senhorita exemplar.

Imagina

Aparecem como flashes, essas lembranças. Surgem repentinas, sem qualquer motivo aparente, é se distrair e  zás, começam a estampar os pensamentos, colam e se sobrepõem a qualquer resto que pudesse existir por detrás delas. Taquicardia. As emoções de então são resgatadas, ai fica naquela coisa meio esquizofrênica, explode em risada e choro, uma vontade imensa de vomitar com um certo olhar de compaixão, uma tolerância paralela a uma vergonha, um não reconhecimento de si naquele lugar. E este não reconhecimento trás certa dúvida, né, impossível não indagar-se se os fatos se desenrolaram daquela maneira que a gente conta. Cansei de repetir coisas que se tornaram verdades, vai que, né. Quantos erros terríveis são perdoáveis e até engraçados, e quantos amores não se tornam idiotas. Bom, grandes idiotas. Tento em vão guardar coisas, fotos, rabiscar bilhetes, como forma de consolidar algo - sei lá o que, ás vezes tenho dúvida também sobre tentar prolongar ou fazer de alguns fatos algo imutável, vai saber, enfeitar ou demonizar faz parte de uma construção de ser, não te faz indiferente a eles, e sempre te fazem revisitar formas de pensar a vida,  não sei bem o que quero dizer com isso. Mas é tão difícil organizar e disso tudo tirar algo útil.
Há pessoas, e há amores, bem resolvidos e não. Tem choro contido, choro chorado, tem aperto de mão, água, uma lesma, caixas e caixas, envelopes de carta, rabiscos antigos, esconderijos embaixo da cama, pirulitos, espera, meus pais, uma briga com a minha irmã, dormir com alguém, gritos, paçoca, limonada, sorvete, sol no umbigo, tem nirvana e floyd, roupão, um vestido de seda, bolinho de chuva, insetos, modos, aulas, logaritmos, vergonha, sexo, pêlos, bicho em nuvem, o eco de um porre, aflição, riso, saudades, mágoa, regimes,espelho,infância,bolinhas aleatórias, caminhadas noturnas,sapo,outra lesma,uma canção do Alceu Valença,vontade de morrer, vontade de viver, só vontade, um casulo, dois casulos, muitos casulos em mim, uma grande bolha, um garfo, um estouro, um útero, um afago, cabelos, joelhos, uma dança - infinita.

E se todas estas coisas juntas acontecendo ao mesmo tempo parecem confusas quando lidas, imagina dentro da gente.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Autorretrato

Queria assim, me fazer verso de poesia, ser deleite na boca de quem recita, suave e doce. Mas me transcrevo em frases muitas vezes mal entendidas, mal escritas e um pouco confusas de idioma único. Não preencho todas as linhas e muitas vezes dispenso o uso da pontuação. Sou atropelo de palavras, uma verborréia sentimental que não foi editada. Livro mal feito com capa improvisada, remendos de durex e alguns recortes de revistas. Trechos roubados de outros livros, sonhos de outras mãos - possuo infinitas referências mas nunca consigo seguir uma. Não trago nada novo, nenhuma descoberta, nenhuma palavra bonita ou rebuscada que enriqueça o texto. Não traduzo e não informo, e quem insistir em tentar encontrar algo por entre as páginas está sujeito a perder-se por entre as composições de palavras - muitas não são o que deveriam significar. Há partes rasuradas, e outras em que perdi a mão e a tinta escorreu, e há vezes que não há nada, enormes pausas, são meus silêncios, quando assumo que não tenho mais o que dizer.
Da confusão, apenas um apontamento coerente - Sou pura adversativa.

sábado, 1 de dezembro de 2012

Sem título

Tenho uma grande amiga,  dessas que não fazem questão nenhuma de te deixar felizes o tempo todo com seus comentários e que para te proteger da chuva são equivalentes a um guarda chuva sem a parte do tecido. É o tipo de grande amiga que te enxerga e te fala sempre a verdade. Te ENXERGA.

- Sabe Paloma, antes você escrevia, e era quase uma borboleta. Agora, tá sempre voltada para o seu buraco, sua bolha. Põe a cabeça para fora para ver o mundo, faz suas anotações e volta, tipo uma tartaruga.

Pensei que esta amiga era uma grande filha da puta. Depois dei uma risada e percebi que pra variar, esta grande filha da puta estava certa. E voltei pro meu casco.

Outro dia cheguei em casa e havia um periquito azul preso perto da janela

Outro dia cheguei em casa e havia um periquito azul preso em uma gaiola perto da janela. E não por acaso colocaram o seu nome de Gardel. Gardel, o periquito azul que um dia estava em casa em sua gaiolinha, de frente à porta da varanda. Tive uma breve conversa com ele, essas coisas que a gente diz para as pessoas quando elas chegam em um espaço estranho, mas ele não me percebia, ou pelo menos fingia que não. Ficava ali olhando para fora, para além do vidro, de vez em quando virava o rabo pra mim para mostrar seu desconforto e depois voltava a olhar para fora. Encostei a carona no vidro, daquele jeito que a minha mãe odeia, que depois deixa tudo marcado e ela tem que vir com aquele tubinho tshiiiiiiiiiiiiiiii tshiiiiiiiiiiiiiiiiii para limpar, e comecei a ver o que o Gardel via, ou acho que era, enfim, olhei para a mesma direção empoleirada no chão com a cara no vidro. Nestas observações me senti um pouco parecida com ele, afinal, estávamos os dois entre algum suporte que dizia nos guardar. Nossa mãe, que ideia colocá-lo junto da janela, justo a um passarinho na gaiola, e nossa! Que ideia de comprar um apartamento com sacada, com janela, que são apenas para olhar lá fora, seria menos cruel se não houvesse nada, assim não dava para imaginar. É Gardel, são tantas as obrigações ( ai ele fez um cocozinho na comida, deve estar em greve de fome), que eu acho que não vou ver nada nessa vida, ou quase nada. E essas coisas, quase importantes, são as coisas que nos tiram o sono, é quase divertido, você acharia se entendesse algo disso. No fundo eu acho que você entende. Principalmente a parte do QUASE. São coisas QUASE importantes, as muito importantes, as grandes coisas, aparecem aos nossos olhos um pouco menores que seu corpo de passarinho. A gente esquece em cima da mesa, junto do óculos e da garrafa de água, que também são coisas muito importantes. Ai quando se vai ver o que lembrou de carregar é quase sempre bobeira.
Quando tirei a cara do vidro, a prometida marca para ser limpa. Olhei o periquito azul, ainda em seu estado de contemplação, e a triste constatação de que realmente não eramos tão diferentes. A maior diferença talvez, era que ele era bem mais bonito do que eu.

sábado, 10 de novembro de 2012

Versinho saudoso

Te espreito de rabo de olho pra checar se a vida lhe têm sido boa. Desvio um encontro de olhares meio tímida e finjo estar fazendo uma outra coisa. Coloco flores no teu lugar vazio pra que não mofe, pra que não tenha aquele cheiro de abandono, apesar de ser isso.
Minto. Não sei se abandono. Mas com breve certeza, sabemos a hora em que temos de ir embora.

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

A história do caramujo

Quando eu era pequena, gostava de pegar caramujos na praia. Tinham um corpo diferente e um jeito adoravelmente melequento de se posicionar no mundo. Ia lá, com meu corpo gordinho para a beira do mar carregando um balde e começava a procurá-los. No baldinho, tentava criar um ambiente propício para que se desenvolvessem - enchia com areia e água do mar -e os punha lá dentro. Quando viu que a minha intenção era levá-los pra casa, minha mãe interveio e me fez devolvê-los pro mar " Ai é o lugar deles Paloma". Na hora fiquei muito triste, e devolvi, um a um para a areia molhada, segurando o choro para que eles não me vissem fragilizada. Eles, com seu corpo tão de molusco, saíram da concha reconhecendo o lar, e estenderam-se pra terra para se enterrarem. Estavam enfim, em casa.
Nesse momento, dando adeus aos caramujos, entendi quase não entendendo, naquela assimilação infantil das coisas, que nada me pertencia. Aprendi a me despedir das coisas cedo, e que, dolorosamente, as coisas que gostamos, apesar de gostarmos, possuem seu exato espaço no mundo e eles tem que ficar lá, mesmo que nós não estejamos. Não se carrega ninguém.
Afinal, como poderia viver um caramujo de mar dentro do balde?

Pequeno poema de amor

Escuta, quero te abrir largo sorriso
e fazer parte da tua solidão
Quero te mostrar os infinitos guisos brilhantes de céu de interior
te assombrar com misterioso clarão
Um afago no teu peito inquieto
um amor tranquilo
suave
feito sol no fim da tarde batendo no rosto cansado.

sábado, 3 de novembro de 2012

O homem mais alto que eu já vi na vida

Ele era o homem mais alto que eu já havia visto na vida. Muito alto. Alto de não caber nos lugares, alto de ter que andar curvado no metrô, alto de tudo. Um gigante na terra de estaturas medianas E como não ser notado? Aquela massona se deslocando pelos espaços, ocupando quase tudo, com sapatos quase irreais, imensos a pisar no chão, aquele olhar manso de bichão assustado, maldita indiscrição de tamanho. Tinha outros olhos diante do mundo, devia enxergar uma outra linha de horizonte, olhos que viam poucos olhos e muitos cucurutos, e sem querer, podia prever os futuros calvos. Mas devia ter também o maior coração do mundo, pra bombear tanto sangue, precisava de um super coração, e pra ter a cara tão malemolente. Devia caber muita coisa naquele coração, naquele estômago, naquele corpo todo, caberiam uma de mim, 2 chineses, um cachorro e um canário, pra cantar, solitário na andança. Acho também que não podia pular,  perigosíssimo. Queria perguntar, como era viver em um mundo que não fora feito pra ele, mas me contive para não ser mal educada. Mas é algo questionável, não? Como é estar em um mundo que não foi pensado pra ti, em estrutura nenhuma, ai tem que virar tatu, se achatar, tentar encontrar um desconfortável encaixe pra caber, tem o mundo inteiro, mas tem que caber naquele espacinho de merdinha. Bom, acho que não é nada muito diferente do que fazemos todos os dias. Mas enfim, nossa, era o homem mais alto que eu já havia visto na vida.

terça-feira, 30 de outubro de 2012

Basta olhar

Sentou a bundona no chão sujo e começou a recolher pedaço por pedaço. Porra! Não bastava ver tudo destruído tinha que ficar limpando, deixa aquela merda lá! Mas não, pacientemente juntava cada fragmento mínimo, limpava e observava como se fosse algo precioso com aquele arzinho infantilóide de alguém que fez uma descoberta muito importante. E aí guardava. Não era bem guardar, ia empilhando os pedaços em um canto pra depois enfiar em um saco e fazer sei lá o que com aquilo. Toda aquela preciosidade de sujeira. Acho que a única coisa intrigante era imaginar de onde seriam aqueles restos. Quem os deixara pra traz. Me diz, hein, que que a gente deixa pra trás? Hein? Porra aquilo serviu pra alguma coisa, foi parte de algo, mas eu não conseguia ver, só ele via, quase conversava com aquele monte de resto. Eu quero saber o que eles dizem! Me diz quais são as coisas que são deixadas pra traz! Eu não quero virar lixo. Não sou resto, não pra mim, mas e pros outros? Já fiz parte de tanta coisa e puta merda, do nada eu não fazia mais. A gente se recolhe? Falta de ar. Eu devo fazer parte de algo. E, cansada, continuei a observar ele recolher os fragmentos do chão. Senti as costas no canto da parede, mas na real, não lembro de ter andado, mas as costas estavam lá, encostadas na quina da parede, escorregando, até que senti o chão. Eu era um amontoadinho de diversos materiais de frente para um outro amontoadinho de materiais, de repente, tão igual. Devastadoramente banal. E ele lá no meio, arrumando as coisas pacientemente. Tirando o excesso de sujeira, o tédio de não pertencer mais a nada. A falta de ar. E ele tratava aquilo tudo como se fosse algo tão precioso. E eu morri de vontade de ser aquilo que ele tanto observava, só pra sentir que de mim, tão resto quanto aquele monte de resto, ainda se podia ver alguma coisa.
Por favor, olha pra mim, então.

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Apenas pontuando

E começo a caminhar, sozinha. Viro uma rua, depois outra, ás vezes ria, ás vezes chorava, mas estava ali, caminhando sozinha. O sol começou a afastar a friagem matutina e as pessoas puseram-se a na rua de forma mais confortável. Essas andanças são geniais para tentar por algumas coisas no lugar, estar à deriva. O aleatório te faz ir por caminhos desconhecidos, se perder é necessário ás vezes. Dói no peito se perder, mas   se aprendem outros caminhos. Encontrei um bonito. Uma rua comprida cheia de árvores, e estas árvores cheias de flores. A representação máxima da primavera, um colorido quase fantasioso, o chão forrado de tapete de flores. É incrível como inconscientemente sabemos os caminhos que temos que fazer. Sem querer, quase como um pequeno milagre, com toda essa inquietação eu cheguei ali, uma rua de beleza escancarada nos entremeios da Vila Mariana, com chão e céu de flor. Mas nesse momento, caralho, seria capaz de por fogo em tudo.

domingo, 14 de outubro de 2012

Isto não é uma despedida

O que dizer? Vou tentar não ser ressentida ou raivosa, porque as coisas não se tratam disso. São coisas maiores e bonitas, não devem ser tratadas dessa forma. Comecei a escrever imaginando um campo de batalha, e alguém se retirando com uma bandeira branca encardida, humildemente e machucada. Mas não houve batalha, não houve guerra, porque não havia inimigo, nunca houve. E se houvesse algum, apenas os próprios fantasmas. Mas é hora, de quem se desmanchou sozinha, juntar os pedaços e ver que nunca faltou nenhum deles, apesar da sensação de ausência ás vezes de alguns. Ausência da fala, da respiração, da pele. Remexendo algumas lembranças, você percebe que em várias situações eles sempre estiveram presentes, mas as distrações, melhor, as (in)distrações atrapalharam. Não se trata do que foi perdido, e se essa foi a impressão até agora, me desculpe, mas é que neste momento as palavras aparecem embaçadas e fico um pouco sem controle pra organizar as frases. Eu estou inteira.  O que foi ganho é a questão. Eu nunca me afoguei de verdade, eu acho que eu prendia a respiração sem querer, era isso. Eu tenho tantas coisas em mim, e que eu só ganhei, só cresci, eu quase virei gente. Humano com H maiúsculo. Eu nunca sonhei tanto e nunca tive tanta força pra isso. Nunca tive um querer tão forte e tão grande e tão arrebatador. Logo eu, que sou tão pequena. E ai eu choro, mas porque eu choro. Eu tive meu conto de fadas e o pós que é quando ele se expande pro campo da realidade. Tive tudo, com direito aos acasos da vida e poema de camões, que sou obrigada a discordar, já que é ferida que dói e se sente sim, mas ela é o machucado e o bálsamo pra vida, que é tão difícil. E nada é finito. Essa é minha nova religião. A gente recomeça, sempre. E dessa vez, não quero guardar em gavetas o que senti. Vou deixar ele aqui, no peito, bem grande, luzindo grande e forte, como sempre foi, porque eu não perdi nada, eu só ganhei. Ele está intocado e bonito, como a primeira vez que descobrimos que ele existia. É isso que me faz crescer e ser melhor, é saber que eu aguento sentir isso, que eu tenho muito coração, até mesmo quando eu duvidava se tinha. " A gente se ilude dizendo que não há mais coração", mas tem. E isso, vai ser meu farol. Seja pra você me encontrar ou te iluminar outro caminho. Vencemos. A gente durou pra sempre em algum momento da vida. Perdurou, é a palavra certa. E me desculpa, se agora o que vou dizer lhe parecer duro, mas na verdade, eu nunca precisei de você, nunca. O verdadeiro é que eu sempre quis você. E as coisas, bom, elas se arrumam. Nada é finito, né? Amém.

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Presença

Esperou todo o banheiro fazer vapor para começar a tirar a roupa. Entrou com cuidado no box e primeiro molhou a nuca para depois deixar a água escorrer por todo o corpo, do topo da cabeça aos pés. Todos os movimentos que fazia eram bem suaves, respeitando o rito que ali acontecia. O processo quase religioso de limpeza das partes íntimas, a maquiagem das partes a serem oferecidas à invasão alheia para substituição de sua função original para sua função simbólica -a troca do expelir para o receber.
Se seca com a mesma suavidade com que se lavou. Besunta o corpo de creme, com uma essência floral enjoativamente feminina, veste uma calcinha bonita e um vestido bonito. Ajeita os cabelos com os dedos, pinta o olho, a boca, as faces e espera, espera e espera.
A ânsia da passividade infelizmente confundiu-se com uma incômoda movimentação intestinal que por ironia do destino pôs-se a trabalhar freneticamente depois do ritual de purificação.
Fez-se bonita, mas infelizmente possuía um cu, que em questão de segundos fez com que se desfizesse e a reconectasse com o que tem de mais humano e o que fazemos de mais vergonhoso. Não havia maneiras de seu vestido esconder aquilo.

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Tenho sido dona de um bom humor quase mal educado. Esse humor meio barato que a gente pode gastar em qualquer situação, um pouco estúpido, um pouco infantil e um tanto leve. Logo eu, que me fazia sempre tão triste, fui invadida por uma indiferença com relação ao eterno, ao como levar a vida, ao amor. Faço caretas no espelho do elevador, mando beijos pras câmeras da rua, valso sozinha na esquina da Augusta com a Paulista. Sai do canto escuro pra me colocar em baixo do poste de luz, sou o centro do meu universo, minha rotatividade é no meu umbigo, e no de mais ninguém. Faço carinho com a ponta dos dedos na minha testa, gargalho alto, perco a conta do tempo, falo coisas sem sentido nenhum e me esparramo em alguém, meio gato espichado no sol. Sorrio a boca cheia de dentes, faço barulho.
 Tenho sido dona de um bom humor quase vulgar, desses que a gente gasta em qualquer lugar, meio indiferente pra dor, pro cansaço, esse bom humor malandro, de quem se atrasa pro trabalho porque ficou sentado na calçada à toa pro acaso.
O que aconteceu foi o inverso
a liquidez tomou forma
o desmanche habitual
a desorganização das partes
a aflitiva construção
as pálpebras sonolentas
se transformaram
em questão de segundos
ou será que foram minutos?
Não sei do tempo.
Mas ali, exatamente ali
aconteceu um corpo, ou dois, ou três
ou qualquer coisa semelhante
a algo que vaguearia tímido depois
desconcertado e feliz
quase inteiro
quase organizado
quase desabrochado
depois do outono
quase gente.

Ficou nua. Sem incômodos.

domingo, 16 de setembro de 2012

Será que você me vê
te olhando ali do canto
morrendo de vontade
de te afagar
no meu peito inquieto?

terça-feira, 11 de setembro de 2012

A história da barata

Ontem eu vi uma barata. Mas diferente de minha reação costumeira, eu não manifestei meu desespero habitual, não fiquei tensa. Não era uma barata qualquer, tinha um algo de diferente, e de tão diferente, era quase bonita. Vinha em um passo diferenciado das baratas que vemos por aí, rasteiras e rápidas. Esta barata caminhava com distinta altivez, alongada, dando passos largos para atravessar o espaço. Tinha certa dignidade na forma como movimentava suas patinhas, quase com a consciência de que tinha o direito de coexistir com as outras formas de vida que se faziam presentes. Surgida não sei da onde, afinal, nunca sabemos de onde elas saem, elas simplesmente aparecem quase que em um processo de geração espontânea, a pobre barata teve o infortúnio de ter sido avistada. Clamaram por Deus, mas rogando para que um instinto homicida aflorasse em alguém para que a barata fosse eliminada.
Atônita, fiquei pensando se baratas sabem dar ré. Nunca vi uma barata andando para trás, mas naquele momento tive vontade de gritar para que o fizesse, mas esta, orgulhosa, não mudou seu curso. Manteve-se fiel em seu direito de existir, mas um outro manteve-se fiel em seu direito de fazer-se juiz do universo e em um impiedoso passo esmagou a pobre. Assisti a cena como as amantes assistiam os navios com seus soldados amados zarparem.
Derrotada, a barata foi atirada no lixo.

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Viver é falar de corda em casa de enforcado

O jeito, sabe-se lá, é se desculpar e desculpar quantas vezes for possível. Perdão pela existência, porque é isso. De máscara ou sem, imitando, reprimindo ou sendo espontâneo a vida se desenrola da maneira mais distante possível do que o imaginado. A gente se frustra, chora e fala besteira, uma, duas, mil besteiras pra um, pra outro, nossa, e quantas coisas são esquecidas? E as distrações? A desatenção? O stress? Ou qualquer outra coisa, sai sempre tudo diferente, quase errado. As pessoas encantam e desencantam em frações de segundos, existe a culpa que pesa, joga os ombros pra baixo ou pra cima forçando pra que possa carregá-la, tem sempre alguém na primeira esquina, ou na segunda que te aponta, não de propósito, mas por estar nesses entre meios também de erros da vida. A coisa é, pedir desculpas e seguir em frente, sempre. Eu podia morrer de remorso, mas o que me salva foi sempre a vontade de acertar, mesmo sendo esta a principal causa das coisas se atrapalharem, vontade de acertar. E sabe lá se um dia não acerto, não? É tão difícil se desvencilhar destes maniqueísmos e destas fórmulas de ser humano tão construídas e tão gastas, mas que são tão insistentes, tão impregnadas de formas e modos, há um medo de romper com isso e ser confundido com algum termo médico que foi feito em cima de números e padrões. Essa coisa tão biológica, tão fria e tão distante do universo que pulsa em cada um, e que machuca ás vezes, explode, uma explosão de força quase criadora, quase destrutiva. O jeito é assumir a taquicardia diária, e que o monstro pode ser você sim, tão cretino e sujo quanto tudo que se despreza. Tão corrompido quanto a coisa que se tenta combater pelo mesmo motivo. Não só de heróis e complexos de Joana D ´Arc se vive, não? As coisas se transformam, todos os dias, o que fazia sentido se esvazia, o macarrão fica mais impregnado de molho no dia seguinte e assim vai. Mudam. O que se lembra é totalmente duvidável, a memória tem uma questão tão afetiva. Se revivem as sensações, e nossa, geralmente são exageradas. Tenho medo de quem não exagera nas memórias. Já nem me importo se foi exatamente daquele jeito, mas se conhece as pessoas por como elas contam as coisas, acredito muito nisso. É a portinhola pro mundo particular. Ás vezes vem a dúvida existencial se aquilo tudo existiu de verdade, Senhor o mundo é inventado. E é. E mesmo assim insistimos em nos sentir culpados, cabisbaixos, frustrados e deslocados de não seguir uma cartilha que de nada se parece com o que é realmente ir vivendo, ou passeando ai pelo mundo.  Mas como a gente não se mostra do avesso, nem vomita o estômago que nem a estrela do mar pra mostrar tudo o que se tem e os complexos mecanismos que temos pra ser como somos, o jeito é pedir desculpas, todo dia, toda hora, pelo desajeito, pelas explosões, pelas palavras soltas pelo ar, pela ausência, distração, pelos medos, por ser, por não ser e por muitas outras coisas. Há uma crônica, das que muito gosto que traz um dito popular " Viver é falar de corda em casa de enforcado". Pra quem fala, atenção, pra quem escuta, paciência.
Pra quem vive, coragem.

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Porque sou tão difícil?
Porque
sou
tão
tão
tão difícil
Até quando esse descompasso?
Até quando?
Até quando?
Até quando...
Vale não pertencer?
estar em lugar nenhum?
em lugar nenhum
com ninguém, nunca
a estranha vontade de
repelir
não me envolvo
conheces, metade
sou tormenta
tão difícil
não há espaços
aqui
não pra mim.

terça-feira, 14 de agosto de 2012

Eu sei que há um cansaço em atender o telefone já de noite, e do outro lado ouvir minha voz embargada pelos mesmos motivos. Entenda, meu amor, a aflição surge de uma estranha sensação de pequenice com relação ao mundo, e o medo de não encontrar sua mão quente do outro lado da mesa para segurar quando as coisas ficam instáveis. Me perdoe, mas sou um tanto antiquada, irracional e infantil, presa no mundo em que construí e esperançosa de que as coisas surjam da forma que calculei. Sou uma criança quando aprende equações, iludida de que depois disso é possível resolver qualquer incógnita. Falo coisas sábias, faço caras concentradas, até trabalho, mas me dispo dessa maturidade em segundos. Sou bicho assustado com o mundo e o corpo que aqui se transformou ainda se faz tão desconhecido como astronomia pra maior parte das pessoas. Só lido com o que é externo a mim, meu amor, me tornando um alvo fácil a ser atingido, baixo a guarda, me despedaço em infinitos fragmentos dentro de mim que ficam difíceis de encaixar. Há tédio e desesperança e incômodo que aumentam com a grandiosidade das coisas. Me diz, como faço para não me afogar dentro de mim? Dou fortes braçadas para o alto, e estar com seu corpo quente são breves respiros antes de recomeçar a pesar e afundar nos espaços. Alice chorou tanto onde estava que, quase como castigo, as coisas submergiram e ao seu redor tornou-se mar. É o mar que, quase sem querer, te ponho pra navegar junto comigo. Há um suspiro do outro lado da linha, e do meu, a tentativa de me fazer acreditar que não quero, que já tanto faz se você vai estar do outro lado da mesa e que eu odeio sua mão quente em cima do meu couro frio. Queria te bater, porque eu perco o total controle da conta e só caio em abstrações, e quando juro na janela que queria nunca ter te conhecido, é quando percebo o quão seria infinitamente mais infeliz. Entenda, meu amor, quando estiveres cansado do outro lado da linha, não sei lidar comigo, me dói pensar que um dia, eu posso não te ver mais do outro lado da mesa com seu olhar de reprovação diante alguma postura minha. É inevitável não pensar quando nos damos conta da finitude das coisas, e como é frágil, determinante e dolorosamente bom encerrar com os jogos e aos poucos oferecer as pequenas misérias reais que se tem.

terça-feira, 7 de agosto de 2012

monólogo

-Mãe, mãe mããããããeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeee! Você disse que eu podia qualquer coisa se quisesse e me esforçasse.
Mentirosa.

Sem título

Tinha sempre aqueles olhos meio cansados meio líquidos, observadores de janela, sempre olhava pela janela, acho que na tentativa de se manter em algum devaneio que repetidamente era interrompido por algo ou alguém " Ei, olha aqui, olha ali, vem aqui, acorda, o que é que você tem ", tinha que responder baixinho sempre que não tinha nada, parecia que era por controle, sabe, a entonação da voz é algo traiçoeiro, há muito treinava para responder sem engasgar em um soluço que resultaria em choro. Então respondia baixinho, olhando pra qualquer coisa, eu acho que era por isso. A gente nunca sabe o que o outro está pensando, nossa, que infernal não saber. Ficam esses jogos de adivinhação incessantes e a tentativa de uma leitura de corpo que nem se sabe fazer direito, mas ela, era muito maior a sua dúvida, pois não se restringia a um recorte de outros, a sua dúvida era o que o mundo estava pensando, acho que por isso olhar tanto pra todos os lados, principalmente janelas. Os olhos não são a janela pra nada, no máximo as sobrancelhas que se contorcem com alguma expressão, as janelas do mundo são as próprias. Está pra espiar e ser espiado, e ela espiava, acho que na tentativa de se manter em sonho, com os raios de sol batendo no rosto, se fazia realmente feliz nestes momentos. Acho que foi feita pra espiar, espreitar tímida os acontecimentos do mundo, contar a passagem do tempo pelas imagens repetitivas do cotidiano. Em algum lugar li que a felicidade está na repetição, acho que sim, sei lá. As coisas se dão de forma tão estranha, as mudanças se dão tão rápido que se não observadas nos escapam e se tornam perceptíveis realmente quando mais nada está no lugar e a sensação de perda ou de deslocamento é inevitável. Mas ela observava, com olhos apertados tudo acontecer, navega em canecas. Enxerga as pequenas mudanças camundonguescas se tornarem hipopótamos. Menos a dela.

domingo, 5 de agosto de 2012

Olha, escrevo por falta de opção. Não consigo falar, porque é como se cada palavra que fosse sair na tentativa de dizer algo fosse me esvaziando, e elas ficariam todas soltas no espaço, batendo contra as paredes, me machucando, te machucando, passando por qualquer lugar, sendo ouvidas por quem a gente não quer. É sentido, doído e exagerado como tudo o que vem de mim. Não sei ser de outro jeito, então fico com gestos atônitos, lançando olhares aflitos sempre a ponto de chorar até o momento que contenho com leve dignidade se percebo que alguém observa. O meu amor é soturno como poema barroco, enxerga beleza na trágico e faz da paz uma utopia. Teço caminhos mas sempre perco os fios. Formo figuras que não planejei e me vejo no embate de apreciar o acaso ou me frustrar, recomeçando pacientemente na tentativa de formar o desenho original e me ver com outra, outras coisas que não planejei. Os fios nunca são os ideais, o que sinto nunca é tranquilo e me recomponho no silêncio quando tenho vontade de gritar.

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Essa deliciosa sensação de não fazer nada, mesmo que breve. Sentar na janela do ônibus, encostar a cabeça no vidro e sentir o vento no rosto. Pessoas cheias de sacolas, rindo alto, falando no celular, exatamente de passagem, assim como eu. Os pequenos encontros de olhares, um sorriso disfarçado, um gesto tímido. Essa brincadeira de quem tem um caminho a cumprir mas se permite distrair no meio dele. Essa saudade rápida do rosto desconhecido, a simpatia com alguém de sapatos diferentes, a troca de cheiros da rua.
Chego no ponto, estou atrasada.

sexta-feira, 27 de julho de 2012

Tem  um momento em que apenas ser não é o suficiente. Habitar determinado espaço e cultivar algumas duvidáveis certezas torna-se um claustro. Por maior que sejam grandes as mediações que te guardam, a descoberta desse muro que te mantém protegido do desconhecido traz inquietações até mesmo pro jardim mais bonito. Como definir ou conhecer algo sabendo que sempre, sempre, se chegará em um ponto que pede pra se vá mais adiante? E insistentes, etiquetamos e damos nomes, delegamos funções e em uma megalomania infantil colocamo-nos como gerentes do universo, procurando acreditar que dominamos pelo menos o espaço a nossa volta e a todos que ali estão, mal enxergando as minúsculas relações que se estabelecem no cantinho direito do banheiro dos fundos com a pequena infiltração da parede que minuciosamente transforma o espaço em que está com suas linhas e manchas na parede. Não basta ser, e muito menos estar apenas. São ações insuficientes e estáticas. São processos. Temos o direito inalienável, e o dever de participar do mundo. Do todo, do além do muro. Participar, sentir, explorar. Sem dominações, sem etiquetar, e respeitando o repertório de cada um, pois o mundo é um estado totalmente particular, uma esfera pontilhada onde a partir deste espaços se é possível encontrar uma intersecção entre um sujeito e outro. Depois de ser, existe a movimentação dos átomos desse corpo presente pelo mundo. E é isso. Se prestarmos atenção ao invés de apenas utilizarmos da catalogação por ela só, não sei, a percepção de que a movimentação das coisas acontece de forma completa e quase perfeita, na harmonia de serem e se deslocarem exatamente da forma como devem.

segunda-feira, 25 de junho de 2012

Situação

Ele vai vir, e toda a raiva que eu senti vai passar. É sempre assim, eu fico puta e ensaio mil coisas para serem discursadas e todas as respostas que eu poderia rebater quando ele respondesse. Ai eu choro, faço um escândalo, sou de natureza dramática. Subo a rua, paro no portão, aperto a campainha, cruzo os braços, forço uma cara de brava e escuto ele abrir a chave com a porta. Ele aparece com o cabelo bagunçado e a cara de sono. Arrasta os pés pra andar. Chega no portão, o abre, e minha raiva já passou, o que eu queria falar já não tem sentido ( na verdade nunca teve ), mas não o beijo, puro capricho. Entro engolindo o riso e arrumo a postura pra tentar manter a seriedade e me contendo pra não mostrar que tudo que eu quero é só me aconchegar no abraço e cruzar minhas pernas entre as dele.

É sempre assim, cáspita.

Diálogo

- Olha, você sabe, não posso gostar de você a vida inteira
- Nossa, que alívio, pensei que só eu achasse isso.

Ato transformador

Eu tenho vontade de falar muitas coisas, e contar muitas coisas, então anoto tudo em um pequeno caderno pra não esquecer, não perder as ideias e nossa, que aquilo chegue no outro da mesma forma arrebatadora que aquilo chegou em mim, então, vamos lá:

Hoje, a ninféia que fica no laguinho deu flor.
Uma flor roxinha, no meio do lago, a ninféia
florida, roxa.
É pra lá. Dei a mão pra ele
a capela do lugar indicava o centro
uma luz asséptica
e muito mais assustadora que o próprio local
Enfim, não havia nada
nem ninguém que pudesse informar alguma coisa
" Oi, procuro um morto ", falaria rindo
apoiada em um anjo
que olha alguma coisa pra baixo
sugestivo.

Um gato, estático, em cima de uma coroa
se confundia facilmente com qualquer escultura
que olhava ou apontava ou chorava
em qualquer dos lados que olhasse
do ponto central
só sombras
daquele mar de cimento e de vagas lembranças
sombras
dos que aqui já foram um algo completo
guardados silenciosos em caixas.

Procuramos, pedindo desculpas silenciosas
aos tampos que pisávamos. Não sei se ouvem
Já se fazia escuro, e nem sabíamos mais quem procurávamos
voltamos para perto do portão e o gato
continuava em seu posto, um senhor soldado
petrificado em sua pose de gato
Dessa vez ele segura minha mão
e atravessamos a fronteira
de costas, para não dar azar

É nesse limite
entre o estático e o movimento
que a vida se faz
nunca vi problema no gosto prematuro pela morte
acredito no direito alienável de que cada um deve decidir
quando cansou, quando o dançar por entre o limite
não faz mais sentido.
Só acho uma pena, ás vezes
perder a próxima música.



domingo, 24 de junho de 2012

Hoje tem sol

Hoje tem sol
e tem uma pipa voando sozinha, bem baixa
fazia tempo, muito tempo que não via uma pipa
quando era pequena lembro do céu cheio
e estendia o umbigo no sol ( faço isso ainda )
e ficava conversando com elas aqui debaixo
e nem prestava atenção no que as pessoas estavam falando ( faço isso ainda )
Mas hoje, hoje não quero conversa
só quero sentar na sacada
acender um ou dois cigarros
tirar essa droga de meia e sentir
essa alegria tímida passar descongelando
me.

domingo, 10 de junho de 2012




Costura 1. Ação de coser. 2 Arte ou profissão de coser.
Coser  1.Ligar, unir com pontos de agulha 2. Fazer trabalho de costura.

Furo, perfuro, abro caminhos, rompo o tecido. A antítese da costura, pois não há o que ser ligado. Com a agulha apenas busco, monto caminhos e construo formas que cessam apenas ao final da linha. Em instantes recomeço, preparo a arma e ataco mais uma vez, fico em uma espécie de transe e perco o limite entre o que me pertence e o que se faz externo a mim. A tentativa de qualquer ligação se apresenta como uma situação fatídica: Se de fato cumpre a função a qual foi destinada ao mundo, de objeto criador a agulha torna-se o carrasco, encerrando o movimento a cada guinada do fio, fazendo o desenho encerrar-se como uma concha. Se retirada a tensão da tentativa de união, aquele fio conduzido por entre a carne, repousa suavemente em seu suporte quente, sobrepondo-se entre as linhas naturais cerzidas pelo divino ou pelo mero acaso da genética. Torce, distorce, se enfia, machuca, colore-se com o cenário ao fundo.
É um novo corpo tímido que vai se compondo em um emaranhado de indescritíveis riscos.

quinta-feira, 31 de maio de 2012

Olhava de espreita o telefone, e depois se censurava por ser tão passiva. Já tinha decidido que iria esperar, e enquanto esperasse fingiria que não o estava fazendo, tentando distrair-se com qualquer coisa. Punha a música alta, dançava pela sala movimentando-se frenéticamente. Depois sentava em frente à caixa preta de imagem e chorava copiosamente com um desfecho de filme, depois procurava outro que estivesse acabando e chorava de novo. É engraçado pensar que tudo isso era só pra esperar sabe, dava até um pouco de dó, como esse telefonema traria um pequeno arroubo de felicidade. Ela começou a tentar meditação, sabe, pra achar a resposta do mundo em si, mas chorava no meio da meditação também, então olhava o telefone que insistia em não tocar.
Era só ligar. Só isso, mas doía fazê-lo, entendia que o não fazer lhe emprestava um pouquinho de dignidade. É um barato pensar que dignidade é isso, tão doída, mas sabe, é aquilo, passar um corretivo nos olhos pra disfarçar depois e se manter. Enfim, o telefone tocou, e não foi tão feliz quanto esperava, foi assim, meio aguado, meio ânsiado, foi quase uma redenção. Uma forma de estar que não fosse a da espera.
Pausa.








Nossa, ás vezes me surpreendo como consigo ser tão estática.

quarta-feira, 30 de maio de 2012

Diálogo

-Mãe, mãe porque você está chorando? Mãe, me responde, me responde porque você está chorando tanto? Mãe, mãe me diz.

Voltou os olhos marejados pra mim, olhou pra cima e secou os olhos e depois secou as mãos no avental.
- O mundo é tão grande, querido.

É mãe, eu sei. E você insiste em dizer que tenho tudo que preciso aonde estou.

sexta-feira, 25 de maio de 2012

Ás vezes, sei lá. Eu fico assim, em constantes devaneios, é como se de repente tudo no mundo fosse muito novo e me demandasse muita atenção, e ai me perco e fico longe, maior parte do tempo estou longe, fico não sei, sabe, assim meio fantasiando as coisas e inventando infinitas situações e questões e respostas só pra sentir que eu vivo muito mais do que vivo de verdade, fico no meu devaneio sendo tudo que não sou, e exibo pra mim mesma, sou feliz nestes devaneios, posso ser o que quero e ninguém se intromete ou dá opiniões que não pedi. A única coisa é que tenho o terrível hábito de divagar assim, a qualquer momento, então ás vezes rio em momentos que não são engraçados e as pessoas se irritam, pois percebem que em momento nenhum ouvi o que falavam. Não ouço o que falam, ás vezes no meio sinto um pouco de tédio e logo algum ponto me chama e me afoga em infinitos sentimentos que nunca compartilho, eu até tento, mas acabo não sendo muito entendida e aqueles olhos inquisitivos ficam te medindo e tal, na real sou muito sozinha, deve ser por isso que me distraio fácil, sou sozinha, compartilho poucas coisas para outras pessoas, compartilho muito comigo, mas sou de difícil trato, Senhor como sou, deve ser por isso que invento tantas coisas pra mim. Sei lá, ás vezes fico assim meio inquieta, duvido muito do mundo, lembro de coisas que não são e esqueço algumas formas conhecidas, porque substituí por alguma que na minha cabeça tinha mais lógica. Não sei, o mundo me entedia um pouco.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

É por gostar tanto que se mantém em pé. Encaixa cada pedaço numa perfeita verticalidade, cada parte da coluna para não se deixar tombar. E assim se mantém em processo de doação até se machucar, e até tudo aquilo que retirou fazer falta.

domingo, 12 de fevereiro de 2012

Com sua licença, Carlos Drummond de Andrade

Quando nasci um anjo desatento
Desses, que se distraem no primeiro som
Me olhou e infelizmente
esqueceu de me abençoar com qualquer coisa

Numa situação financeira desagradável
ganhei roupa e ganhei sapato
Mas a velha e boa fralda faltava, e fiquei assim enrolada na merda
até que encontrassem uma farmácia

Merda é uma questão teológica
E eu já do divino ventre entendia que
para ser humana
a merda não me abandonaria

Aprendi cedo, a destapar o corpo e por o umbigo no sol
e cedo aprendi a ter vergonha
mas não tão cedo aprendi
que esconder-se na vergonha é mais feio que não tê-la

Fiz da solidão o meu presente
como já dizia grande filósofo
Só esqueci de constatar que o presente do pensador
só era possível sendo miserável

Me recosto no canto e vejo
braços pernas bocas
numa dança desconexa
que meu corpo não participa

Danço sozinha
algum ritmo estranho, danço assim
de olhos fechados tateio no escuro
buscando sentido pra tudo isso.

De falar do processo

Fazendo um grande resumo, existe uma passagem interessante da escultura neoclássica para as experimentações que dariam o primeiro engate pra pensar em uma manifestação tridimensional moderna. Os grandes murais neoclássicos, além de estarem presos a uma narrativa histórica, que acomete a todos os seus personagens representados, mantém tudo preso à sua superfície. É uma existência quase que pela metade, e se quisessem mostrar a tridimensionalidade do corpo, as partes eram seccionadas em 2, 3, para se ter a noção de um todo. É Rodin, quem começa a modificar esta situação criando personagens que, mesmo fazendo parte de um mesmo contexto, pareciam lidar com aquilo com extrema particularidade. Eram independentes daquele espaço que os ligavam, e ali tínhamos corpos que se projetavam para fora, que pareciam que saiam da parede e aos poucos iam se criando, mergulhavam no espaço, desprendidos de qualquer realidade anatômica, existindo quase que para si apenas. E as imperfeições das esculturas começaram a ser menos mal vistas, pois faziam parte de um processo.
As obras do neoclássico são por excelência esteticamente atraentes. É o tipo de obra que as pessoas geralmente consideram agradáveis de se observar, aquele ideal antigo retomado em cada parte simetricamente representada. Mas tem uma coisa que me incomoda em observá-los. É engraçado que, falar que alguém parece uma representação desse período é um elogio e tanto, não é? Parecer essas musas, ou até mesmo ter o porte dos homens, tudo lindo. Mas tem algo relacionado com o tempo que me incomoda. Tudo que está ali é estático. Pertence à esfera do inalcançável. Uma sensação claustrofóbica me apodera, só de imaginar-me presa naquelas paredes, mas ao mesmo tempo, até um certo momento da minha vida era o que eu queria. Deus me livre, mesmo cheio de espirituosidade, me parecer com uma das mulheres de Picasso ou de Gauguin. No máximo ser uma figura de Seurat, na esperança de poder me desmanchar assim, sem querer, num olhar cheio de vesguice. Mas estou ali na parede, sustentada por uma camada concreta com milhões de figura, e nós na mesma história. Mas não sei, não quero mais fazer parte deste roteiro. Talvez em um chá com uma escultura de Rodin, esta me conte que as marcas são inevitáveis pra poder se deslocar daquele espaço. " É o processo", diria com uma expressão reflexiva , bebericando uma gota de chá que pingava da ponta de seu dedo. É o processo. Existir em si. É um tanto óbvio, mas é difícil. Alguém te mostra a estrutura e você acredita que é ai que tem que ficar. Mas ai surgem outras possibilidades, mas no final das contas dá na mesma não é? Afinal a desestrutura também parte de uma estrutura. No final nem Seurat, nem Gauguin, nem Rodin, Picasso Matisse Pollock I-N-G-R-E-S. Preciso urgentemente inventar uma coisa minha, para que as extremidades do meu corpo passem a ter contato com o ar e não com uma estrutura que me sutente, mas ao mesmo tempo me engole. Porque pode ser, não pode? Não dá pra saber se a figura brota ou adentra a pedra. Nunca se sabe, vou adentrar essa liquidez moderna, só vou lidar com o que é meu.
Balzac com suas roupas movimentadas no metal duro me observa.É o processo...

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Supermercado

Foi no mercado. Na parte da feira.
Haviam frutas variadas, e aquele colorido anunciava que haviam tido boa safra desta vez. Frutas em demasia, grandes, gordas, tilintando alegremente nas prateleiras, quase em um comportamento humano de se oferecerem, eram assim que estavam.As bancas haviam sido divididas por cores, não tipos, era uma grande palheta alimentícia no meio daquele cubo meio concreto e meio metal.
Em um canto, perto das frutas vermelhas, havia uma garota parada. Era meio franzina, meio branco, mas tinha algo nos olhos que a tornava interessante. Talvez fosse a forma que ela olhava as ameixas. Eram ameixas lindas, bem redondinhas e avermelhadas, empilhadas uma em cima da outra, e de vez em quando rolavam de cima da pilha, assustando a garota e tirando-a por momentos de seu transe. Aquela garota era um barato, sabe, legal mesmo ficar olhando, ela devia achar que ninguém reparava nela, então acabava tendo uns tiques espontâneos, sabe, desses que a gente geralmente tem quando está planejando algo muito importante. Em um gesto furtivo agarrou uma das ameixas. Não teria nada de espetacular no fato, se não fosse a forma como a agarrou. Estava claro que ela não compraria ameixas, queria apenas uma, apenas aquela que como um tesouro ela segurava na palma da mão. Era uma ameixa bem redondinha, com um cabinho mostrando-se timidamente se olhasse direito. Cabia na palma da mão da garota, numa concha perfeita. Parecia suculenta, por como a garota apertava de leve aquela fruta, fechando levemente os olhos a cada apertão. Passava de uma mão pra outra, sentindo com a ponta dos dedos a superfície lisa e avermelhada. Um pouco tensa, olho para os lados para ver se alguém observava, se alguém percebera o que estava acontecendo ali. Seu rosto relaxou, e a nudez dele foi coberta por uma vasta cabeleira, ela desmanchara o rabo de cavalo. Com a fruta ainda na mão, cuidadosamente levou-a perto do rosto, e a cheirou vagarosamente. Eu não podia me mover. Segurou firme e levou-a perto da boca. Encostou os lábios, colocou a ponta da língua, e com uma ousadia terrível mordeu a fruta, espirrando seu sumo para todos os lados.
Foi a glória.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Foi lá e acendeu mais um cigarro. Tragava daquele jeito engraçado de quem está aprendendo a fumar, sabe, quando você solta a fumaça e ela se espalha pra todos os lados? Ela tentava discreta piscar rápido pra eu não ver que a fumaça foi no seu olho e ardeu, mas na verdade não sei se era bem isso ou se ela só não queria mostrar que queria chorar. As pessoas fazem caras engraçadas quando não querem chorar, ficam se torcendo em caretas, achando que passam super desapercebidas com aqueles olhos afetados, e quando olham pra cima então, pra lágrima não escorrer? Eu acho massa, até dá vontade de rir, mas é chato, então eu coloco a língua no céu da boca pra segurar o riso e me concentro nisso e passa, funciona juro. Nossa, eu me desconcerto com gente chorando, não gosto de ver ninguém chorando puta merda, me deixa mal, e viro uma completa inútil, nunca sei o que fazer quando a vontade de rir passa. Mas essa ai não chorava nunca, só fumava. Um atrás do outro. Cheirava bem a cigarro, e apestava todos os cômodos, isso me deixa meio puta, mas eu abstraio, afinal não ia ter o que fazer mesmo. Eu fico cheirando as coisas depois, e corro que nem uma imbecil com um sprayzinho, esses que fazem tshiii tshiii e soltam aquele cheiro de detergente genial. Detergente tem um cheiro de assepsia que me deixa felizona. Nossa eu gostava mesmo dela com aquele cigarrinho andando pela casa, eu tinha vontade de falar, mas ela está sempre muito compenetrada na vida dela, não ia atingi-la de qualquer jeito, então me propunha a ouvir até me entediar. Ai só presto atenção no cigarro, e aquela voz amacia na fumaça que vai dançando pelo ar. Vai montando um monte de coisa até que some, desmancha no ar e nem é sólido. Uma vez fiquei zonza acompanhando com os olhos as espirais. Uma vez eu li que o universo é espiralado e todas as energias se manifestam em espirais para que assim, as coisas possam se enrolar e desenrolar. Se isso for verdade, o universo estava ali, saindo da ponta da extensão de seus dedos cheios de fumo, se desenrolando naquela pequena porção de espaço entre o meu corpo e o dela, mas de tão compenetrada em si ela não viu nada.
Eu também não contei.

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Indecisão

Mas há vida!...não, não, isso não é um incentivo muito bom...
Mas há o amor...nossa, menos, dores irremediáveis...
Mas há os sonhos...só que nesse caso, gastaria o resto meu tempo dormindo, como já faço normalmente
Mas há o real...que dói
Mas há...há...mas há alguma coisa.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Sentou na ponta da cama, exausta, e baixou os olhos para as pontas dos dedos. Aquilo me irritava, muito. Olhou para algum canto que eu não podia enxergar e voltou a olhar as pontas dos dedos. Afinal, o que deveria de haver de tão genial na porra das pontas dos dedos?
Ela era bonita, mas algo não deixava isso aparecer. Tinha uma expressão que a enfeiava, talvez fosse aquela cara de sonsa, aquele jeito de falar e aqueles gestos de quem pede desculpa por tudo, até pela existência. Devia ficar o tempo todo "...perdão por existir, eu faço o meu melhor, mas não consigo...", como deprime. Enxugou vagarosamente algumas lágrimas que insistiam em brotar e tentou falar alguma coisa. Tinha os olhos marejados e algumas marcas, não sei se de tempo ou de desespero, que contornavam aquelas duas bolas aguadas. Quando finalmente entendi o que murmurava, era algo como uma reclamação sobre o infortúnio de sua vida, mas não havia peso, é como se aqueles pedaços invisíveis de quarto lhe contassem alguma coisa que eu não via. Olhei a merda dos dedos dela a hora que ela baixou o olhar de volta, e fiquei esperando abrirem-se caras naquelas pontas, tipo mini gente mesmo, que dissessem essas coisas que a gente quer ouvir quando muito aflitos, alguma coisa reveladora sobre o universo, e que as coisas tinham sim um sentido, tudo, tudo tinha um sentido oculto, até mesmo o contrário valia, dedos que contam como o mundo vai explodir dentro de dias, e não importaria nada do que foi feito e dito, porque tudo vai virar poeira cósmica, mas não. Eram só dedos, dedos bem idiotas com metade do esmalte só, e a pele maltratada de fazer serviço, aquela pele dura que machuca quando se vai fazer carinho no outro, nem pra isso servia. Ela se levantou e voltou a limpar as coisas. Abaixou-se para limpar debaixo da cama, tinha muito pó. Minhas coisas tem muito pó, anos de pó, não gosto de mexer nelas, sempre encontro alguma coisa, algum bilhete, foto, carta, poema e isso me deixa com saudade, e não ando em estado de ter saudade, eu fico louca, mas ela estava lá limpando e mexendo em tudo que era meu, me perguntando o que servia ou não. Sei lá, nada servia, me perdi pensando se eu também estaria com pó enquanto a olhava, eu tenho essas coisas de me guardar também, me enforno em alguma gaveta minha e esqueço de limpar, e ai vinha alguém pra revirar tudo. Tenho dó de vê-la no chão, mas não tenho a mínima vontade de ajudá-la. Ela merece, está no lugar certo, no chão, com esse arzinho e esses dedinhos, e depois ia embora e dizia " Fica com Deus, filha". Não sou sua filha, mas só tinha vontade de dizer, odeio que me peçam pra ficar com Deus, mesmo que seja expressão, ele que deveria estar comigo, não eu ter que procurá-lo. Essa ai deve ter tido alguma revelação, ou acha que teve, por isso é tão conformada, quando ia desabar de chorar, tipo criança, se segurava toda e fingia ter alguma dignidade, olhava pros cantos e se recompunha, seria incrível mas esperança me deixa um pouco deprimida. Nossa, ás vezes queria sentar com ela, tomar aquele chá barato e pedir pra que por favor, ela me contasse o que tanto os espaços e a ponta dos seus dedos lhe diziam, eu faria qualquer coisa pra saber o que eles dizem, porque ver além e acreditar em algo, apesar de deprimente, a fazia bem melhor que eu.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Sem título

A felicidade faz parte de um sonho, é como se fosse um farol que nos mostra o caminho a seguir quando nos perdemos no emaranhado da vida. Mas é sonho.
Cheguei a conclusão de que eu nunca vou ser feliz, dentro dessa ideia que fazem de algo ser bem sucedido e leve, não faz parte de mim e não compartilho desse sonho. O que me motiva, é saber que, apesar de tudo que há de ruim, e de toda dor que insistentemente carrego ( dores de grau 8, diariamente), é que de alguma forma, se sobrevive. A felicidade não é o mais importante, o interessante é saber que não se sucumbe e o alto grau de resistência que temos a dor, e que esse grau só tende aumentar. A carne rasgada se sutura, partes quebradas se regeneram, sentidos perdidos se desenvolvem outros. A capacidade de adaptação é o que nos impulsiona a levantar todo dia, respirar fundo e começar tudo de novo.
É entender que apesar do sonho, a realidade é muito mais interessante.