domingo, 8 de dezembro de 2013

Para Toulouse

Aldana acordou e deu de cara com seu gato deitado na poltrona de seu quarto, o que era algo esquisito, já que Toulouse gostava de dormir no armário do canto esquerdo da cozinha. Quando o gato percebeu a surpresa de Aldana, miou algo com "não queria que fosse solitária", deu dois suspiros e depois morreu: os olhos vidrados e o seu corpo enrijecido, com a sombra de seu último ronronar. Ali, bem na frente dela, Toulouse havia batido as botas, ido dessa para melhor, estaria a sete palmos, e todos os outros nomes que damos para a morte. Assim: de forma instantânea e natural. Aldana sabia que seu gato já não estava lá essas coisas: ele babava, tinha siricuticos de gato velho, fazia xixi no seu potinho de água. Então, para poupá-lo, já havia marcado o dia em que iria sacrificá-lo. Claro que teve a delicadeza de não contar nada para ele, mas fez dos últimos dias de Toulouse os melhores de sua vida de gato, regados a atum e leite. Mas 2 dias antes da data prevista, Toulouse decidiu morrer de morte morrida. E como Aldana poderia evitar o choque de descobrir que as coisas morrem naturalmente? Antes de Toulouse, ela já havia sacrificado 3 gatos, 1 cachorro e 2 hamsters, pois achou que fosse a hora. Descobrir que assim como alguns de nós, há outras coisas que morrem naturalmente deu-lhe um frio na barriga. Não estava habituada com a ideia do morrer das coisas do mundo, e sim com o matar: sacrificar, dedetizar, pisar, amassar, arrancar, afogar, estapear. Por exemplo: insetos não foram feitos para morrer, e sim para serem mortos. Nunca havia imaginado que morriam independente de nossa vontade. Pensou em quantos defuntos não haveriam neste exato momento do mundo, tombando de lado em um carpete fofo, na grama ou no asfalto, agonizantes em sua mortalidade. Será que agonizam mesmo? Nunca encontrei esses corpinhos pelo caminho

- A natureza é mais discreta.

Pensou em seu gato que morreu sem alarde nenhum: não chorou e nem fez testamento. Não lamentou a falta do grande amor (coitado, era castrado), não clamou por Deus, não quis ver os familiares. Só precisou de uma companhia rápida e ai morreu. Lembrou-se então dos elefantes: vira em algum lugar, que quando estavam para morrer, se retiravam do grupo e se dirigiam para o cemitérios, sozinhos. Pobre Toulouse, deve ter achado que era meio elefante. Aldana espichou-se na cama e deu uma rápida olhada no espelho: Pálida feito a morte.
Levantou-se finalmente para recolher o corpo de seu gato, ainda quentinho. Viu que do corpinho de Toulouse, algumas pulgas abandonavam o barco. Vivia dizendo a Toulouse para evitar os passeios noturnos por conta dessas coisas, e a lembrança de seus monólogos com o gato embargou-lhe os olhos de irremediável saudade. Até pensou em amassar as pulgas, mas decidiu por deixá-las viver sua pulguice até o limite, e que morressem a hora que lhes desse na telha.