terça-feira, 7 de agosto de 2012

Sem título

Tinha sempre aqueles olhos meio cansados meio líquidos, observadores de janela, sempre olhava pela janela, acho que na tentativa de se manter em algum devaneio que repetidamente era interrompido por algo ou alguém " Ei, olha aqui, olha ali, vem aqui, acorda, o que é que você tem ", tinha que responder baixinho sempre que não tinha nada, parecia que era por controle, sabe, a entonação da voz é algo traiçoeiro, há muito treinava para responder sem engasgar em um soluço que resultaria em choro. Então respondia baixinho, olhando pra qualquer coisa, eu acho que era por isso. A gente nunca sabe o que o outro está pensando, nossa, que infernal não saber. Ficam esses jogos de adivinhação incessantes e a tentativa de uma leitura de corpo que nem se sabe fazer direito, mas ela, era muito maior a sua dúvida, pois não se restringia a um recorte de outros, a sua dúvida era o que o mundo estava pensando, acho que por isso olhar tanto pra todos os lados, principalmente janelas. Os olhos não são a janela pra nada, no máximo as sobrancelhas que se contorcem com alguma expressão, as janelas do mundo são as próprias. Está pra espiar e ser espiado, e ela espiava, acho que na tentativa de se manter em sonho, com os raios de sol batendo no rosto, se fazia realmente feliz nestes momentos. Acho que foi feita pra espiar, espreitar tímida os acontecimentos do mundo, contar a passagem do tempo pelas imagens repetitivas do cotidiano. Em algum lugar li que a felicidade está na repetição, acho que sim, sei lá. As coisas se dão de forma tão estranha, as mudanças se dão tão rápido que se não observadas nos escapam e se tornam perceptíveis realmente quando mais nada está no lugar e a sensação de perda ou de deslocamento é inevitável. Mas ela observava, com olhos apertados tudo acontecer, navega em canecas. Enxerga as pequenas mudanças camundonguescas se tornarem hipopótamos. Menos a dela.

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