segunda-feira, 25 de junho de 2012

Situação

Ele vai vir, e toda a raiva que eu senti vai passar. É sempre assim, eu fico puta e ensaio mil coisas para serem discursadas e todas as respostas que eu poderia rebater quando ele respondesse. Ai eu choro, faço um escândalo, sou de natureza dramática. Subo a rua, paro no portão, aperto a campainha, cruzo os braços, forço uma cara de brava e escuto ele abrir a chave com a porta. Ele aparece com o cabelo bagunçado e a cara de sono. Arrasta os pés pra andar. Chega no portão, o abre, e minha raiva já passou, o que eu queria falar já não tem sentido ( na verdade nunca teve ), mas não o beijo, puro capricho. Entro engolindo o riso e arrumo a postura pra tentar manter a seriedade e me contendo pra não mostrar que tudo que eu quero é só me aconchegar no abraço e cruzar minhas pernas entre as dele.

É sempre assim, cáspita.

Diálogo

- Olha, você sabe, não posso gostar de você a vida inteira
- Nossa, que alívio, pensei que só eu achasse isso.

Ato transformador

Eu tenho vontade de falar muitas coisas, e contar muitas coisas, então anoto tudo em um pequeno caderno pra não esquecer, não perder as ideias e nossa, que aquilo chegue no outro da mesma forma arrebatadora que aquilo chegou em mim, então, vamos lá:

Hoje, a ninféia que fica no laguinho deu flor.
Uma flor roxinha, no meio do lago, a ninféia
florida, roxa.
É pra lá. Dei a mão pra ele
a capela do lugar indicava o centro
uma luz asséptica
e muito mais assustadora que o próprio local
Enfim, não havia nada
nem ninguém que pudesse informar alguma coisa
" Oi, procuro um morto ", falaria rindo
apoiada em um anjo
que olha alguma coisa pra baixo
sugestivo.

Um gato, estático, em cima de uma coroa
se confundia facilmente com qualquer escultura
que olhava ou apontava ou chorava
em qualquer dos lados que olhasse
do ponto central
só sombras
daquele mar de cimento e de vagas lembranças
sombras
dos que aqui já foram um algo completo
guardados silenciosos em caixas.

Procuramos, pedindo desculpas silenciosas
aos tampos que pisávamos. Não sei se ouvem
Já se fazia escuro, e nem sabíamos mais quem procurávamos
voltamos para perto do portão e o gato
continuava em seu posto, um senhor soldado
petrificado em sua pose de gato
Dessa vez ele segura minha mão
e atravessamos a fronteira
de costas, para não dar azar

É nesse limite
entre o estático e o movimento
que a vida se faz
nunca vi problema no gosto prematuro pela morte
acredito no direito alienável de que cada um deve decidir
quando cansou, quando o dançar por entre o limite
não faz mais sentido.
Só acho uma pena, ás vezes
perder a próxima música.



domingo, 24 de junho de 2012

Hoje tem sol

Hoje tem sol
e tem uma pipa voando sozinha, bem baixa
fazia tempo, muito tempo que não via uma pipa
quando era pequena lembro do céu cheio
e estendia o umbigo no sol ( faço isso ainda )
e ficava conversando com elas aqui debaixo
e nem prestava atenção no que as pessoas estavam falando ( faço isso ainda )
Mas hoje, hoje não quero conversa
só quero sentar na sacada
acender um ou dois cigarros
tirar essa droga de meia e sentir
essa alegria tímida passar descongelando
me.

domingo, 10 de junho de 2012




Costura 1. Ação de coser. 2 Arte ou profissão de coser.
Coser  1.Ligar, unir com pontos de agulha 2. Fazer trabalho de costura.

Furo, perfuro, abro caminhos, rompo o tecido. A antítese da costura, pois não há o que ser ligado. Com a agulha apenas busco, monto caminhos e construo formas que cessam apenas ao final da linha. Em instantes recomeço, preparo a arma e ataco mais uma vez, fico em uma espécie de transe e perco o limite entre o que me pertence e o que se faz externo a mim. A tentativa de qualquer ligação se apresenta como uma situação fatídica: Se de fato cumpre a função a qual foi destinada ao mundo, de objeto criador a agulha torna-se o carrasco, encerrando o movimento a cada guinada do fio, fazendo o desenho encerrar-se como uma concha. Se retirada a tensão da tentativa de união, aquele fio conduzido por entre a carne, repousa suavemente em seu suporte quente, sobrepondo-se entre as linhas naturais cerzidas pelo divino ou pelo mero acaso da genética. Torce, distorce, se enfia, machuca, colore-se com o cenário ao fundo.
É um novo corpo tímido que vai se compondo em um emaranhado de indescritíveis riscos.