sexta-feira, 21 de março de 2014

ás vezes me esqueço como se escreve

Eu ensaiei, pelo menos, 3 textos que não consigo acabar. Não que eu ache que todo texto deva ter fim ou algo do tipo. Na verdade, sou simpática a textos que não terminam, ou pessoas que acrescentam nas entre-linhas partes que pudessem estar faltando, dão continuidade, misturam com outros, afinal, o texto não está para outra coisa além de trazer à tona o que em geral já sabemos. Textos, em geral, não trazem muita coisa nova, tirando, claro, os textos científicos cheios de tese e nhenhé, mas estes me dão a sensação de repetição algumas vezes. Falamos das coisas acreditando estar dando a luz a algo inédito, marretando a cabeça das pessoas com o novo, ou compartilhando a nossa percepção de mundo com alguém que não a tenha. Tudo baboseira. Escrever é um ato prepotente, principalmente quando cremos que o que escrevemos é exclusivo e único. Há algo de mágico em escrever, é verdade, mas nada do que é escrito é nosso, entende? Eu assino, ás vezes, assino mesmo e fico toda orgulhosa, e ai as pessoas dão uma lida, gostam, não gostam, mas enfim, leram, e isso dá um certo orgulho, mas é um orgulho babaca. Agradeçam ao mundo, da próxima vez, pois se quem escreve o faz, é por conta do mundo, e das pessoas e das coisas que estão nele, escrever é quase como tomar emprestado. A coisa, é que escrever é o espaço da descompostura. Só isso. Se eu fosse menos fechada, talvez escrevesse menos. Mas como não me descomposturo no cotidiano, rasgo toda a cautela quando escrevo. Mas agora, ando sem ter o que escrever. E não é por falta de olhar o mundo: Há pouco descobri que existem outros ângulos de observação, diferentes do que estava acostumada, e nossa, o mundo é grande mesmo, estou apavorada, ai paizinho. Ai resolvi ler esse monte de coisa que fico escrevendo e achei engraçado que, desde quando comecei a escrever, praticamente escrevo sobre as mesmas coisas. Mesmas. Porra, as mesmas coisas há quanto tempo? Ás vezes mais melosa, ás vezes mais ácida, ás vezes mais pretensiosa e todo aquele nhenhé e firula para fingir que eu manjo de algo do que eu estou falando, mas sempre a mesma merda. E ai não tive muita vontade de terminar os outros que eu comecei, até tinha um engraçadinho, de uma mocinha que gostava de desvirginar meninos. Sei lá porque estava escrevendo aquilo, entende? Essa baboseira de quando a gente descobre que faz alguma coisa, e se sente na obrigação, a partir daquele momento, de fazer. As coisas são mais naturais, alô, mundo! NATURAIS. Até queria terminar aquilo que comecei, foi assim que eu aprendi "termine o que você começa", mas nunca terminei nada, quase nada. Tenho certo gosto mesmo, de deixar incompleto, deixar uma lacuna lá, no infinito, brilhando, para que em uma outra dimensão aquilo possa ser preenchido de outra maneira. Isso de definitivo nunca me cativou, apesar de ter descoberto que demoro para sair do lugar, tipo caramujo quando despenca da parede, só nessas situações. Caramujos são meio burros, coitados, sempre achei, bicho burro, não dá muita dó de matar não, mas entendo que deve ser difícil tentar subir uma encosta na condição dele. O fato é: não sei muito mais o que escrever. Talvez se eu estivesse deprimida, ou querendo morrer, mas meu cérebro anda silencioso. Deu um pane no dia que eu acordei feliz de novo. Ai que merda, não sei ser feliz não, me torra um pouco saco, sempre achei um estado um pouco irritante, o mundo é cão, não é para ser agradável. E não o acho agradável, ainda, mas tem esse silêncio apaziguador que não me deixa muito escrever, não tenho tido tempo para observar, pois tenho estado nas coisas que observo geralmente, troquei um pouquinho de lugar, e agora penso se alguém me observa escrevendo de mim “olha a trouxa indo lá”. Deve ter, mas não me importo muito. Existe uma surda indiferença com algumas coisas neste exato momento, que não me deixa escrever, estou quase paralisada. Outro dia descobri que vou morrer, e que isso é um fato MESMO. Morrer nunca me foi tão palpável, que se eu decidir me jogar da janela do lugar em que estou agora, agorinha, eu vou me espatifar e explodir, e alguém vai ter que juntar o que esparramou, chamar equipe de limpeza, essas coisas. Que servicinho, hein, desgrudar gente morta das coisas. Deve ficar engraçado depois de um tempo, esse desmanche, esse caos todo. Mas ter esse poder, de que a decisão é minha, nossa, que poder. Só não é melhor que a sensação de não decidir. Essa não-escolha é a melhor escolha, na maior parte dos casos, eu acho. Eu costumava ter uma vista da janela do meu quarto, que não tenho mais porque tem um prédio na frente, e nesse prédio tem pessoas, e elas viraram minha vista, e eu provavelmente a delas, a gente já deve ter se visto pelado até e todas essas indiscrições que janelas causam que não só crimes, mas a coisa é que alguém deveria mudar o significado da palavra horizonte, só para acompanhar essas mudanças de vistas as quais estamos sujeitos o tempo inteiro. O prédio vai cair qualquer dia desses, ou sendo menos dramática, vamos nos mudar, para lugares mais altos, para casas muradas, para pessoas mais peladas. Tanto faz. Tanto faz: o que foi escrito, o que foi sentido, o que foi visto, o que só foi. Ás vezes a gente vira relíquia de nós mesmos, e teimamos em conservar peças que não possuem tanta importância (eu trabalho em museu). Se eu pudesse, botaria fogo nos museus, e na história. Menos na literatura, ela me salva. É uma tábua de madeira no meio do oceano. Mas só porque eu me esparramo no texto, e me acho no meio das linhas e finjo que são minhas. Senão botava fogo também. Não sei muito o que escrever. E não me reconheço muito no que já escrevi mais. Eu comecei três textos que não consigo acabar. Eu acho que foram desvarios de alguém que achou que sabia escrever por um ínfimo segundo. Naniquinho mesmo. Perceber-me de fato no mundo me deixou meio burra, naquele estado de descoberta de novo. Eu sou um ser no mundo. Sei lá o que isso significa, mas estamos ai, mudando de verbo, um que não se refere apenas ao globo ocular, a uma antropologia antiquada e estrangeira. Mas, não tenho muito o que escrever neste momento, não tenho nadinha para escrever, acho que nunca tive, de fato. Fazer xixi, agora, me parece mais importante que me estender na minha falta de assunto. O corpo acordado, olha só, ás vezes me esqueço dele, coitado. Não gosto muito dele não, mas sem ele, bom não tem muito o que se possa fazer. Nem xixi.

- É necessário ser absolutamente moderno

Caso contrário fica muito difícil entender as ondas de mudança dessa...dinâmica contemporânea: efêmero, ressignificação, sujeito, virtualidade, simulacro, idealizações: palavras tão recorrentes no meu vocabulário, mas com conceitos tão mal construídos: pouco entendo a maior parte das coisas que digo, repito por nelas crer, mas a vista é turva para enxergá-las perto de mim, ou longe, ou em qualquer lugar. Estou sempre deitada na barriga do mundo, observando as tangentes se afastarem, ás vezes acho que o que sei é eco. Me fecho entre quatro paredes crendo que esta é a edificação segura para se estar, mas a dúvida sempre me encontra: observo surgir as marcas de infiltração no teto: ele vai cair em cima de mim, a qualquer momento. É o questionamento. Não cai sempre, mas ficam de aviso, derrubando a água suja em cima da minha blusa branca: por vezes me perguntam por onde andei, e penso que sempre estive no mesmo lugar, mas a blusa parece sempre pior, é a goteira, entende? A dúvida que paira acima de mim, se tivesse uma escada tudo seria diferente, mas tenho pernas e um joelho ruim. Danço sozinha embaixo da goteira, e assim a ignoro, rodopio-rodopio-pirueta e termino tirando uma pequena valsinha, fico assim em transe vendo o quarto inundar das rachaduras, é que aqui não tenho medo das gentes e não preciso explicar estes termos do mundo novo: parece que antes de ser eu sou um objeto social: os livros dizem que esse esvaziamento faz parte da minha geração: o hedonismo barato faz parte da minha geração: as multifacetas fazem parte da minha geração: mas só porque nasci nesta geração não quer dizer que faça parte dela, faz sentido? Só sinto as mesmas coisas, as mesmas pressões e as mesmas demandas: existencialistinha fajuta, um pouquinho, termos filosóficos me complicam, apesar de existir estar além de qualquer tentativa racional de explicar. Se gostasse de Alberto Caieiro talvez acreditasse que a metafísica das coisas está nas próprias coisas, Alberto eu te amaria com todo o meu amor não-racionalizado e datado históricamente, mas entendo pouco da complexa questão da simplicade das coisas, quase vulgar. Sou complicadamente comum, errôneamente comum, singularmente comum, tentando entender coisas simples por meio de pretensiosos discursos das gentes que pouco saíram do quarto: rodopiam, todas elas junto comigo.
O artifício da escrita disso tudo não é real: o que me faz escrever é o que chega mais perto do que em mim é verdade, é a minha metafísica, a pouca simplicidade: meu óculos de mundo {[não sei de qual, se interno ou externo, isso é, se existe algum que vai além de mim (já vejo surgir, fina como um fio de cabelo, outra rachadura) a matemática só me ensinou como utilizar sinais de equação para fingir de sei dar ordem às partes]}.

A frase do título é do Rimbaud, e o caso é que nunca li Rimbaud direito, nem sei o que ele quis dizer com a frase mas a achei importante. Gosto do Rimbaud porque ele parou de escrever e foi para a África, ele, sei lá, um belo dia saiu do quarto.