sábado, 22 de junho de 2013

Impermanência

Que faz meu nome fora da tua boca?
Quisera eu enxergar o que observa teus olhos cansados, que não meu seio em riste e meu ventre ansioso. O que te prende em devaneios, e me embaça frente teus olhos?  O que há detrás de minha nuca?

- minha voz soa como um eco: percebo o esforço em voltar e a tentativa de entender as palavras que estouram como um soluço agoniado -

Desconexos. Bastou alguns segundos para que o silêncio se instaurasse entre nós, criando um vão que engolia as frases não ditas. Nos reconhecemos como dois desconhecidos.

domingo, 9 de junho de 2013

Anotações de caderno em tempos distintos

Breve anotação de algo que me aconteceu na semana passada:

Há pouco me peguei rindo sozinha, repetindo uma palavra estranha: Paloma. Passei minutos inteiros repetindo essa palavra com diferentes entonações e tempos, sentindo a boca toda trabalhar a internalização desse som que, com uma leve surpresa, lembro ser meu nome. ( Para quem quiser tentar o exercício, Paloma é uma palavra divertida de pronunciar, tem algo de roliço na forma como sai da boca).
Fui obrigada a anotar em um papel  "meu nome é Paloma" para que não me esquecesse mais ou corresse o risco de cometer algum equívoco. Fui obrigada a rir disso.
Paloma: substantivo próprio, concreto, sujeito da ação, linha de contorno, delimitador de forma. 1ª pessoa do singular.

- Alguma coisa ali se remexia no meu íntimo, fazendo esta tímida saudação

Breve anotação de algo que está acontecendo agora:

Desliguei o telefone a pouco, com água nova no copo. Sempre há água no meu copo, pois necessito de mergulhos constantes para me manter presente. É cheio, mas não transborda. Bebo tudo, mas nunca até o final - seu fim ou seu total preenchimento é algo que sempre deixo suspenso.
Encontrei então meu caderno, o qual havia feito a anotação acima e chorei. Paloma não me faz saudação alguma há alguns dias. Tenho vivido um estado constante de sonolência e ás vezes ausência da vida, onde tudo se desenrola automaticamente. Para ser saudado, precisamos prestar atenção - e não digo de um grande esforço ou isolamento para sentir o mundo - é se fazer presente.

A verdade é que aquela Paloma, perdi: fez sentido naquele pequeno instante. Não há uma linha limitadora, há pequenos pontos que parecem uma linha mas que contém espaços, que são os necessários para que a coisa, no caso a Paloma, exista e se conecte com o mundo ( e agora, agorinha mesmo que escrevo isso, lembro da tatuagem de uma amiga muito querida, que possui um círculo pontilhado no tornozelo- queria te dizer que nunca te achei tão sábia quanto agora). Não existe Paloma, o que existe é tudo aquilo que se consegue juntar em um determinado espaço, que para  acessá-lo, necessitamos que seja inventado um corpo: É algo complicado de explicar, mas é o ajuntamento de todas as pessoas (ou pontos que contornam) e que se encontram no espaço, e vão se cruzando e modificando a água do copo de cada um. Mas a troca da água só acontecesse na presença - quando não estamos, tudo dispersa e só há o vazio: a presença preenche, e o vazio espera ansiosamente servir para algo. Não há muita coisa além desse todo que está em constante transição, e ai, agora, não identifico meu nome de novo. Caso me chamem de João, Maria, planta, memória ou lugar, respondo por todos esses nomes. Pois sou tudo que um dia permiti que se embrenhasse por entre meu espaço de forma presente e verdadeira. Sou o breve espaço da troca.

É claro que há muitos outros que escreveram sobre isso que escrevi acima de forma mais clara, melhor e com um entendimento e uma sabedoria anos-luz maior que a que escrevo. Mas necessitava trazer essa breve compreensão que se assemelha com um vaga-lume perdido em um galpão, com palavras que saíssem desse copo que tenho agora. Na verdade, não há nada de secreto ou revelador, nada que ninguém não saiba ou sinta. Registro pelo simples fato de precisar lembrar e querer dividir - não sei como vou acordar amanhã, e talvez leia isso tudo e ache uma grande bobagem.

sábado, 1 de junho de 2013

Uma volta na cidade paraíso

Muitos são os caminhos a serem percorridos. Logo após a entrada, há uma cidade que se desdobra em horizontais, verticais e escadas circulares a perder de vista. Vielas infinitas, que aportam apenas um corpo de cada vez em sua passagem para o lugar que nunca chega, uma luz distante provinda de um muro que não está.

Um gato mia.

Aquele que segue concentrado em seu caminho norte-sul, na retilínia dos encontros e dos olhares, talvez passe desapercebido pelo ser vivente que respira perto de seu ombro - o paraíso está para quem olha para os lados. Mas para aqueles que se permitem a distração, terão para sempre gravado na retina a imensidão do corpo que dorme ao lado da gente sem fome. Os espaços da cidade, para quem se atreve ver, nunca mais serão os mesmos - os muros serão derrubados, o barulho ficará mais alto, a noite gelará os ossos de medo e de compreensão.
É uma cidade de peculiar riqueza: no centro de seu corpo disforme, caótico e fragmentado, existe uma rígida coluna vertebral a sustentar os aflitos. Remexendo um pouco na sujeira, descascando as paredes com uma colher, é possível encontrar ouro. Não é necessário escavar tão fundo, basta aquele olhar atento de mãe que se pode ver algo reluzir. Existe muita riqueza, na cidade paraíso, em estado bruto. Mas há de se estar atento quanto a se crer rico lá: Quem quer ensinar é quem sai ensinado.