sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Porque sou tão difícil?
Porque
sou
tão
tão
tão difícil
Até quando esse descompasso?
Até quando?
Até quando?
Até quando...
Vale não pertencer?
estar em lugar nenhum?
em lugar nenhum
com ninguém, nunca
a estranha vontade de
repelir
não me envolvo
conheces, metade
sou tormenta
tão difícil
não há espaços
aqui
não pra mim.

terça-feira, 14 de agosto de 2012

Eu sei que há um cansaço em atender o telefone já de noite, e do outro lado ouvir minha voz embargada pelos mesmos motivos. Entenda, meu amor, a aflição surge de uma estranha sensação de pequenice com relação ao mundo, e o medo de não encontrar sua mão quente do outro lado da mesa para segurar quando as coisas ficam instáveis. Me perdoe, mas sou um tanto antiquada, irracional e infantil, presa no mundo em que construí e esperançosa de que as coisas surjam da forma que calculei. Sou uma criança quando aprende equações, iludida de que depois disso é possível resolver qualquer incógnita. Falo coisas sábias, faço caras concentradas, até trabalho, mas me dispo dessa maturidade em segundos. Sou bicho assustado com o mundo e o corpo que aqui se transformou ainda se faz tão desconhecido como astronomia pra maior parte das pessoas. Só lido com o que é externo a mim, meu amor, me tornando um alvo fácil a ser atingido, baixo a guarda, me despedaço em infinitos fragmentos dentro de mim que ficam difíceis de encaixar. Há tédio e desesperança e incômodo que aumentam com a grandiosidade das coisas. Me diz, como faço para não me afogar dentro de mim? Dou fortes braçadas para o alto, e estar com seu corpo quente são breves respiros antes de recomeçar a pesar e afundar nos espaços. Alice chorou tanto onde estava que, quase como castigo, as coisas submergiram e ao seu redor tornou-se mar. É o mar que, quase sem querer, te ponho pra navegar junto comigo. Há um suspiro do outro lado da linha, e do meu, a tentativa de me fazer acreditar que não quero, que já tanto faz se você vai estar do outro lado da mesa e que eu odeio sua mão quente em cima do meu couro frio. Queria te bater, porque eu perco o total controle da conta e só caio em abstrações, e quando juro na janela que queria nunca ter te conhecido, é quando percebo o quão seria infinitamente mais infeliz. Entenda, meu amor, quando estiveres cansado do outro lado da linha, não sei lidar comigo, me dói pensar que um dia, eu posso não te ver mais do outro lado da mesa com seu olhar de reprovação diante alguma postura minha. É inevitável não pensar quando nos damos conta da finitude das coisas, e como é frágil, determinante e dolorosamente bom encerrar com os jogos e aos poucos oferecer as pequenas misérias reais que se tem.

terça-feira, 7 de agosto de 2012

monólogo

-Mãe, mãe mããããããeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeee! Você disse que eu podia qualquer coisa se quisesse e me esforçasse.
Mentirosa.

Sem título

Tinha sempre aqueles olhos meio cansados meio líquidos, observadores de janela, sempre olhava pela janela, acho que na tentativa de se manter em algum devaneio que repetidamente era interrompido por algo ou alguém " Ei, olha aqui, olha ali, vem aqui, acorda, o que é que você tem ", tinha que responder baixinho sempre que não tinha nada, parecia que era por controle, sabe, a entonação da voz é algo traiçoeiro, há muito treinava para responder sem engasgar em um soluço que resultaria em choro. Então respondia baixinho, olhando pra qualquer coisa, eu acho que era por isso. A gente nunca sabe o que o outro está pensando, nossa, que infernal não saber. Ficam esses jogos de adivinhação incessantes e a tentativa de uma leitura de corpo que nem se sabe fazer direito, mas ela, era muito maior a sua dúvida, pois não se restringia a um recorte de outros, a sua dúvida era o que o mundo estava pensando, acho que por isso olhar tanto pra todos os lados, principalmente janelas. Os olhos não são a janela pra nada, no máximo as sobrancelhas que se contorcem com alguma expressão, as janelas do mundo são as próprias. Está pra espiar e ser espiado, e ela espiava, acho que na tentativa de se manter em sonho, com os raios de sol batendo no rosto, se fazia realmente feliz nestes momentos. Acho que foi feita pra espiar, espreitar tímida os acontecimentos do mundo, contar a passagem do tempo pelas imagens repetitivas do cotidiano. Em algum lugar li que a felicidade está na repetição, acho que sim, sei lá. As coisas se dão de forma tão estranha, as mudanças se dão tão rápido que se não observadas nos escapam e se tornam perceptíveis realmente quando mais nada está no lugar e a sensação de perda ou de deslocamento é inevitável. Mas ela observava, com olhos apertados tudo acontecer, navega em canecas. Enxerga as pequenas mudanças camundonguescas se tornarem hipopótamos. Menos a dela.

domingo, 5 de agosto de 2012

Olha, escrevo por falta de opção. Não consigo falar, porque é como se cada palavra que fosse sair na tentativa de dizer algo fosse me esvaziando, e elas ficariam todas soltas no espaço, batendo contra as paredes, me machucando, te machucando, passando por qualquer lugar, sendo ouvidas por quem a gente não quer. É sentido, doído e exagerado como tudo o que vem de mim. Não sei ser de outro jeito, então fico com gestos atônitos, lançando olhares aflitos sempre a ponto de chorar até o momento que contenho com leve dignidade se percebo que alguém observa. O meu amor é soturno como poema barroco, enxerga beleza na trágico e faz da paz uma utopia. Teço caminhos mas sempre perco os fios. Formo figuras que não planejei e me vejo no embate de apreciar o acaso ou me frustrar, recomeçando pacientemente na tentativa de formar o desenho original e me ver com outra, outras coisas que não planejei. Os fios nunca são os ideais, o que sinto nunca é tranquilo e me recomponho no silêncio quando tenho vontade de gritar.

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Essa deliciosa sensação de não fazer nada, mesmo que breve. Sentar na janela do ônibus, encostar a cabeça no vidro e sentir o vento no rosto. Pessoas cheias de sacolas, rindo alto, falando no celular, exatamente de passagem, assim como eu. Os pequenos encontros de olhares, um sorriso disfarçado, um gesto tímido. Essa brincadeira de quem tem um caminho a cumprir mas se permite distrair no meio dele. Essa saudade rápida do rosto desconhecido, a simpatia com alguém de sapatos diferentes, a troca de cheiros da rua.
Chego no ponto, estou atrasada.