Assim como você, já quis muito também, escrever. Acreditava
que por meio da escrita, seria capaz de dar conta do que se faz incompreensível
em mim. Sempre usei a escrita como forma de gozo/vômito (principalmente), pois
sou deveras ruim para grandes falas e discursos – só expresso por fala, aquilo
que de alguma forma já consegui racionalizar, e o que é um presente escorregando para
o pretérito: O tempo presente sempre me foi deveras confuso, e na tentativa de
explicar o amor que se fazia constante, balbuciava coisas sem sentido, como um
sonho interrompido. Fico a dar voltas como o passarinho que procura o ninho,
não percebendo que este caiu da árvore com o vento. Escrever, para mim, é então
uma fuga da vida: com as palavras invento meu universo e vivo em paz. Ou quase,
já que tudo o que escrevo é quase sempre triste.
Caro Sr. Kappus, sempre tive a pretensiosa ânsia de querer
traduzir em sinais gráficos sensações que se manifestavam de forma corpórea, e
acabei por dar nomes errados aos sentimentos e confundir sensações. Cansei de chamar a melancolia de amor, o medo
de resguardo e preservação, e a tristeza de insatisfação, de vontade e de
sonho. Confesso que são todos termos que se dividem por uma linha tênue, e não
sei se consigo realmente dissociá-los ainda, mas quando penso nos erros que
venho cometendo com isso, tenho uma cômica vontade de chorar: tem que ser muito
desatento, não distraído, para cometer este tipo de engano. E já que a maior
parte dos nomes estavam errados, sinto dizer que não conheci o ápice das
palavras, e nem a transcendência da poesia: senão apenas como um terreno
ardiloso e infértil. Sr.Kappus, é dificílimo dizer/ escrever o que se sente no
olho do furacão, pois as páginas correm, e as palavras são abafadas no ruído
surdo do vento chacoalhando o cérebro. Neste exato momento do mundo, sofro de
uma dor terrível, mas tudo o que posso dizer dela, é que gosto muito de colocar
o umbigo no sol. Sr. Kappus, peça para um doente de câncer lhe dizer sobre o
que tem, e nos tornaremos insensíveis, e dele obteremos algo trágico e
desesperançoso. Agora, pergunte no processo de cura, e a gama de sensações se
expandirá com a simplicidade e sinceridade que o assunto merece ser tratado. Se
tens uma dor terrível, ou uma alegria irremediável, apenas sinta. Esgote-a, até que tudo vire um grande
deserto, e tudo escorra à margem do tempo e se desfaça como areia. É isso que
somos, no fim das contas, um punhado de areia, então, para que se importar ou
ser ponderado? Sinta, essa é a primeira essência para se escrever uma boa
poesia.