terça-feira, 7 de setembro de 2010

Sensíveis

Abriu a porta do quarto e saiu em passos majestosos, mexendo de um jeito displicente no cabelo. Perdeu toda sua elegância ao atirar-se no sofá de forma confortável, mas logo percebeu que ele a observava de um modo terno, um jeito dele. Tímida, retomou a pose e sentou-se em perna de índio, tomando cuidado em ajeitar o vestido para que não lhe aparecessem os fundilhos e as coxas brancas. Finalmente ergueu os olhos.
Não conseguiu encará-lo de primeira. Seus olhos focaram-se no que havia atrás dele. Detestava a cor daquela parede. Voltou a olhá-lo. Ele continuava em seu estudo quieto, quase em transe, e ela se sentiu nua. Não adiantava arrumar o vestido, este se desfizera, e lá estava ela, exposta com seu corpinho infantil. Na verdade, já não tinha tanta certeza se ele era como na sua memória. Lembrou-se de outro dia, na frente do espelho onde, atônita, percebeu que brotara carne em lugares estranhos, e na lateral de sua barriga faltava. Não conseguiu decidir se essa carne faltante subira ou descera. Seu corpinho geométrico estava vulgarmente orgânico. Voltou, e seus olhos se encontraram.
Ele tinha assim, olhos fundos. Algo líquido. Via a pupila dele abrindo e fechando, como se estivesse fazendo um convite para entrar. Líquida. Subiu-lhe um calor. Foi se aproximando, a pupila cada vez mais dilatada, ela se preparou. Colocou-se em posição de mergulho, seria rápido, rápido -1..2..
E fora brutalmente retirada de seu devaneio por um estômago gritando indignado. Como odiava o corpo! Odiava a autonomia que ele tinha –fome, sede, cansaço, dor – odiava estar presa a ele. E os olhos dele, para seu pesar, estavam agora fechados.
Aquele calor concentrou-se nas coxas. Sentia aquele quentinho dançar de modo frenético. Subia de uma maneira divertida, lhe causando um riso leve. Subia, descia, escorregava pela pele, saia e entrava nos poros. Sentiu sua cabeça tombando devagar, até recair no encosto. Abria e fechava os olhos devagar, e numa dessas aberturas viu que de novo, ele a observava. Via dos poros dele, algo dançante escapando também, um calor saltitante na pele. A pupila dilatada. Eram cúmplices.
Veio o medo. Tentaria? A pupila agora estava enorme. Já podia enxergar, lá longe, uma forma sentada, também medrosa, ou tímida, esperando. Decidiu que o corpo ficaria, podia atrapalhar. Soltou-se com uma facilidade surpreendente, como se sempre houvesse sabido como.
Agora, tão fluída quanto aqueles olhos aguados, posicionou-se.

Se atirou.