domingo, 12 de fevereiro de 2012

Com sua licença, Carlos Drummond de Andrade

Quando nasci um anjo desatento
Desses, que se distraem no primeiro som
Me olhou e infelizmente
esqueceu de me abençoar com qualquer coisa

Numa situação financeira desagradável
ganhei roupa e ganhei sapato
Mas a velha e boa fralda faltava, e fiquei assim enrolada na merda
até que encontrassem uma farmácia

Merda é uma questão teológica
E eu já do divino ventre entendia que
para ser humana
a merda não me abandonaria

Aprendi cedo, a destapar o corpo e por o umbigo no sol
e cedo aprendi a ter vergonha
mas não tão cedo aprendi
que esconder-se na vergonha é mais feio que não tê-la

Fiz da solidão o meu presente
como já dizia grande filósofo
Só esqueci de constatar que o presente do pensador
só era possível sendo miserável

Me recosto no canto e vejo
braços pernas bocas
numa dança desconexa
que meu corpo não participa

Danço sozinha
algum ritmo estranho, danço assim
de olhos fechados tateio no escuro
buscando sentido pra tudo isso.

Nenhum comentário:

Postar um comentário