segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Sentou na ponta da cama, exausta, e baixou os olhos para as pontas dos dedos. Aquilo me irritava, muito. Olhou para algum canto que eu não podia enxergar e voltou a olhar as pontas dos dedos. Afinal, o que deveria de haver de tão genial na porra das pontas dos dedos?
Ela era bonita, mas algo não deixava isso aparecer. Tinha uma expressão que a enfeiava, talvez fosse aquela cara de sonsa, aquele jeito de falar e aqueles gestos de quem pede desculpa por tudo, até pela existência. Devia ficar o tempo todo "...perdão por existir, eu faço o meu melhor, mas não consigo...", como deprime. Enxugou vagarosamente algumas lágrimas que insistiam em brotar e tentou falar alguma coisa. Tinha os olhos marejados e algumas marcas, não sei se de tempo ou de desespero, que contornavam aquelas duas bolas aguadas. Quando finalmente entendi o que murmurava, era algo como uma reclamação sobre o infortúnio de sua vida, mas não havia peso, é como se aqueles pedaços invisíveis de quarto lhe contassem alguma coisa que eu não via. Olhei a merda dos dedos dela a hora que ela baixou o olhar de volta, e fiquei esperando abrirem-se caras naquelas pontas, tipo mini gente mesmo, que dissessem essas coisas que a gente quer ouvir quando muito aflitos, alguma coisa reveladora sobre o universo, e que as coisas tinham sim um sentido, tudo, tudo tinha um sentido oculto, até mesmo o contrário valia, dedos que contam como o mundo vai explodir dentro de dias, e não importaria nada do que foi feito e dito, porque tudo vai virar poeira cósmica, mas não. Eram só dedos, dedos bem idiotas com metade do esmalte só, e a pele maltratada de fazer serviço, aquela pele dura que machuca quando se vai fazer carinho no outro, nem pra isso servia. Ela se levantou e voltou a limpar as coisas. Abaixou-se para limpar debaixo da cama, tinha muito pó. Minhas coisas tem muito pó, anos de pó, não gosto de mexer nelas, sempre encontro alguma coisa, algum bilhete, foto, carta, poema e isso me deixa com saudade, e não ando em estado de ter saudade, eu fico louca, mas ela estava lá limpando e mexendo em tudo que era meu, me perguntando o que servia ou não. Sei lá, nada servia, me perdi pensando se eu também estaria com pó enquanto a olhava, eu tenho essas coisas de me guardar também, me enforno em alguma gaveta minha e esqueço de limpar, e ai vinha alguém pra revirar tudo. Tenho dó de vê-la no chão, mas não tenho a mínima vontade de ajudá-la. Ela merece, está no lugar certo, no chão, com esse arzinho e esses dedinhos, e depois ia embora e dizia " Fica com Deus, filha". Não sou sua filha, mas só tinha vontade de dizer, odeio que me peçam pra ficar com Deus, mesmo que seja expressão, ele que deveria estar comigo, não eu ter que procurá-lo. Essa ai deve ter tido alguma revelação, ou acha que teve, por isso é tão conformada, quando ia desabar de chorar, tipo criança, se segurava toda e fingia ter alguma dignidade, olhava pros cantos e se recompunha, seria incrível mas esperança me deixa um pouco deprimida. Nossa, ás vezes queria sentar com ela, tomar aquele chá barato e pedir pra que por favor, ela me contasse o que tanto os espaços e a ponta dos seus dedos lhe diziam, eu faria qualquer coisa pra saber o que eles dizem, porque ver além e acreditar em algo, apesar de deprimente, a fazia bem melhor que eu.

Nenhum comentário:

Postar um comentário