sábado, 10 de novembro de 2012

Versinho saudoso

Te espreito de rabo de olho pra checar se a vida lhe têm sido boa. Desvio um encontro de olhares meio tímida e finjo estar fazendo uma outra coisa. Coloco flores no teu lugar vazio pra que não mofe, pra que não tenha aquele cheiro de abandono, apesar de ser isso.
Minto. Não sei se abandono. Mas com breve certeza, sabemos a hora em que temos de ir embora.

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

A história do caramujo

Quando eu era pequena, gostava de pegar caramujos na praia. Tinham um corpo diferente e um jeito adoravelmente melequento de se posicionar no mundo. Ia lá, com meu corpo gordinho para a beira do mar carregando um balde e começava a procurá-los. No baldinho, tentava criar um ambiente propício para que se desenvolvessem - enchia com areia e água do mar -e os punha lá dentro. Quando viu que a minha intenção era levá-los pra casa, minha mãe interveio e me fez devolvê-los pro mar " Ai é o lugar deles Paloma". Na hora fiquei muito triste, e devolvi, um a um para a areia molhada, segurando o choro para que eles não me vissem fragilizada. Eles, com seu corpo tão de molusco, saíram da concha reconhecendo o lar, e estenderam-se pra terra para se enterrarem. Estavam enfim, em casa.
Nesse momento, dando adeus aos caramujos, entendi quase não entendendo, naquela assimilação infantil das coisas, que nada me pertencia. Aprendi a me despedir das coisas cedo, e que, dolorosamente, as coisas que gostamos, apesar de gostarmos, possuem seu exato espaço no mundo e eles tem que ficar lá, mesmo que nós não estejamos. Não se carrega ninguém.
Afinal, como poderia viver um caramujo de mar dentro do balde?

Pequeno poema de amor

Escuta, quero te abrir largo sorriso
e fazer parte da tua solidão
Quero te mostrar os infinitos guisos brilhantes de céu de interior
te assombrar com misterioso clarão
Um afago no teu peito inquieto
um amor tranquilo
suave
feito sol no fim da tarde batendo no rosto cansado.

sábado, 3 de novembro de 2012

O homem mais alto que eu já vi na vida

Ele era o homem mais alto que eu já havia visto na vida. Muito alto. Alto de não caber nos lugares, alto de ter que andar curvado no metrô, alto de tudo. Um gigante na terra de estaturas medianas E como não ser notado? Aquela massona se deslocando pelos espaços, ocupando quase tudo, com sapatos quase irreais, imensos a pisar no chão, aquele olhar manso de bichão assustado, maldita indiscrição de tamanho. Tinha outros olhos diante do mundo, devia enxergar uma outra linha de horizonte, olhos que viam poucos olhos e muitos cucurutos, e sem querer, podia prever os futuros calvos. Mas devia ter também o maior coração do mundo, pra bombear tanto sangue, precisava de um super coração, e pra ter a cara tão malemolente. Devia caber muita coisa naquele coração, naquele estômago, naquele corpo todo, caberiam uma de mim, 2 chineses, um cachorro e um canário, pra cantar, solitário na andança. Acho também que não podia pular,  perigosíssimo. Queria perguntar, como era viver em um mundo que não fora feito pra ele, mas me contive para não ser mal educada. Mas é algo questionável, não? Como é estar em um mundo que não foi pensado pra ti, em estrutura nenhuma, ai tem que virar tatu, se achatar, tentar encontrar um desconfortável encaixe pra caber, tem o mundo inteiro, mas tem que caber naquele espacinho de merdinha. Bom, acho que não é nada muito diferente do que fazemos todos os dias. Mas enfim, nossa, era o homem mais alto que eu já havia visto na vida.