segunda-feira, 30 de março de 2015

Máquinas de escrever não fazem notas de rodapé

Maceto o dedo contra a tecla manchando todo o papel de uma coloração cinza-azulado: letras trocadas, encavaladas pela máquina que resiste à violência com que imprimo cada palavra que atônita salta ao papel: a palavra bruta. Ah benzinho, é com essa mesma força que adoraria cravá-las em seu peito, marcar seu rosto de azul-rubi, afundar a carne de suas bochechas com os sulcos da marca metálica de uma máquina velha, coisas como: “não devo me poupar”. Poderia lhe explicar no canto da página de onde surge tal vontade, mas você sabe: máquinas de escrever não fazem notas de rodapé.

terça-feira, 3 de março de 2015

Amarelo

Eu não acredito em resiliência: de maneira nenhuma. E já não tenho saco para amores barrocos. Ou para platonismos, ou romantismos, ou qualquer tipo de sentimento retirado de livros: eu quero as entrelinhas dos poemas: os espaços cheios de silêncio: significativos entre uma palavra e outra, entre uma respiração e outra durante nossa pequena morte. Verbos intransitivos, tempos adverbiais: diria até pronomes possessivos. Amor concreto que nem pedra, tudo por não crer em resiliência: como poderia voltar a ser o que era, até o dado instante em que nos cruzamos no carpete áspero da cidade, do mundo: a força do acontecimento dos anos para que eu estivesse exatamente ali: a trança de uma entidade caprichosa brincando com a gente e nossos coraçõezinhos, tão desmedidos, tão carne amansada buscando pormenores felizes: como ser o que era, e dizer: posso voltar para mim? Se já não há mais mim, se me vou escapando pelos poros, se me derramo ao subir as escadas, se me digo Adeus a cada suspiro causado pelo você que se instalou nas minhas articulações. E fico explodindo em ânsia a todo minuto, em arroto de mariposa: a impaciência antítese do oráculo. Como ficar no papel, se já lhe lambi o céu da boca?