sábado, 22 de dezembro de 2012

Não posso

Pode ser
que depois das seis
eu já não esteja em casa.
Nem adianta ligar
não ouço nada quando estou
na rua
Estarei preocupada demais
olhando pra nada
procurando gente
para depois deixá-las no
caminho
brincando de bêbada
tamborilo os dedos
nas pernas numa canção sem nenhum
nenhum ritmo.
suspiro.
Experimento a guia 
tropeço em meus pés
tento um andar reto
nas linhas demarcadas
não posso.
Astigmatismo.


Há coisas que me dão preguiça. Uma delas são pessoas que acreditam que a vida se lhes desenrola como em um livro, e que os acontecimentos são tão maravilhosos ou desastrosos que seria um roteiro certo. Ora, todos nós passamos por provações que dariam belos romances. Todos temos algo para dizer. Não se pode deixar cair na pretensão de que as coisas mais incríveis ( o que é mais difícil), e as mais bizarras só acontecem com a gente. A vida se apresenta de forma muito parecida para a maior parte das pessoas - questões sobre o efêmero e a finitude, crises existenciais, sensação de sozinhez, amores correspondidos e não, amigos que se vão, incertezas e a maldita angústia da escolha. São coisas que todos partilhamos em algum momento da vida. Existimos como singular nos pequenos detalhes, na nossa bolha particular e da forma como deixamos com que ela se expanda ou se retraia.
Somos todos rasuras de romances.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Outro caso de barata.

Há um tempo tenho parado de comer carne. Presto bastante atenção em meu caminho para evitar pisar em algum bichinho, e sinto leve indignação quando alguns são mortos por descaso. Afinal, ambos temos o direito de existir, e é imprescindível de nossa parte entender que temos responsabilidades sobre estas coisas. Mas há uma em especial que me põe inquieta : E a barata?
Só de imaginá-las perambulando em um mesmo espaço me coloco ansiosa. Grandes, pequenas, avermelhadas, escuras, voadoras, não importa - o que fazer com elas? Elas entram nos seres vivos que estão, e que só por isso possuem o direito de existir, mas são tão esquisitas. Possuem asas, mas nem sabem usar direito ( as asas são principalmente para proteção do corpo), não fazem nada, são assustadas, sorrateiras, tontas e exageradamente desprezíveis - e existem pessoas assim, e nem por isso as chinelamos.
Outro dia fui para a cozinha beber água quando ouço um barulho. Por ser de noite, as coisas ficam mais assustadoras, e o barulho vinha da caixa de fósforo (Hãn?), é, atrás dela saltou uma barata grande, gorda e escura, e como de costume, fiquei gelada. Pedi socorro, e neste meio tempo ela escapava por entre as frestas da cozinha, ai meu paizinho eu não vou conseguir enfiar a mão nos armários para procurá-la, ela vai andar, botar ovos, e logo eu não vou conseguir por a mão em nada, ai meu pai, mata! Baratas me trazem essa sensação ambígua - queria poder tacar veneno e nunca mais vê-las, mas torço pra que sejam suficientemente inteligentes para encontrar a saída de casa e irem se abrigar em outro lugar. A barata da minha cozinha sumiu, e com o veneno todo, teríamos que esperar para ver se ela reapareceria viva ou morta.
Pouco tempo depois ela reapareceu, tonta, na árvore de Natal. Baratas conhecem a simbologia do Natal? Era barulhenta, e ficou ali na árvore balançando quando levou a borrifada de inseticida. Tombou. Levou o segundo jato, e caiu pra cima do móvel da mesma cor que ela. Suas patinhas para o ar moviam-se pedindo piedade, tinha o seu abdômen exposto, a cabecinha levantava e abaixava, as antenas com um movimento calmo e leve tentavam entender o que se passava com o corpo. Estava envenenada, agonizando baixo a sombra da morte que se fazia certa. A morte era Eu, observando o pobre ser. Sabia que as baratas existem há cerca de 400.000.000 de anos? E que seu organismo é praticamente o mesmo desde então? Como algo tão insignificante pode carregar consigo tamanha força? - enquanto pensava isso, a coisinha pré-histórica sufocava - Em que momento da história tornaram-se tão desprezíveis? Quanto tempo leva uma barata para morrer, porque essa, olha, foi mais de hora, até que lhe dei a chinelada da redenção. Como deve funcionar o veneno em seu corpo?
a-) A sufoca? Não sei como baratas respiram
b-)Paralisam seus orgãos?
c-)São toxinas que causam alucinações e fritam sua cabeça com desilusões até que elas próprias, de espontânea vontade, decidem morrer?
Me coloquei no papel de morte, mas não sei os motivos que as matam. Sei os meus, e acho que se colocar nesse papel é isso, pelo que parece, a gente nunca pergunta pro futuro defunto se ele tinha algum motivo, tirando quando a morte e o falecido são as mesmas pessoas, mas ai, as respostas ficarão pra sempre suspensas. Não posso dizer que me diverti, mas foi com certo fascínio que fiquei olhando aquela barata ir se abandonando até resolver dar a chinelada. Depois disso, nada muito diferente além de limpar as coisas e jogá-la no lixo junto com seus 400.000.000 de anos.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

A senhorita

Sempre lhe diziam para ter modos. Manusear bem os talheres, sentar com as pernas fechadas, não falar palavrão nem com a boca cheia. Que não era bonito rir alto, nem ter gestos muito expansivos, nem pedir pra repetir refeições, nem mexer em nada na casa dos outros. Também não era bom mostrar pele demais, nem contrariar, nem andar com cabelos desarrumados. Nada de muita maquiagem, nem de beber nada muito rápido, tossir demais também era uma indelicadeza, tinha sempre que ir ao toilette e pedir licença para se retirar da mesa, e para adentrar aos espaços, e para falar, ás vezes, sem querer, por hábito, pedia licença para respirar. Assim, pra não ser inconveniente. Vocabulário rebuscado, aprendera também a falar de diversos assuntos para melhor se colocar, não aporrinhar e nem parecer muda. Mas falar demais também era uma falta de tato, então aprendera os limites do falar para não parecer pretensiosa.
Ás vezes, corre para o banheiro e chora sem motivos. Nunca procurou saber a verdadeira razão. Permitia-se soluçar dentro de uma média de tempo que dura um xixi. Depois se recompõe, matando qualquer possibilidade de ser algo detrás disso tudo.

Alguém a observa, e puxa, uma senhorita exemplar.

Imagina

Aparecem como flashes, essas lembranças. Surgem repentinas, sem qualquer motivo aparente, é se distrair e  zás, começam a estampar os pensamentos, colam e se sobrepõem a qualquer resto que pudesse existir por detrás delas. Taquicardia. As emoções de então são resgatadas, ai fica naquela coisa meio esquizofrênica, explode em risada e choro, uma vontade imensa de vomitar com um certo olhar de compaixão, uma tolerância paralela a uma vergonha, um não reconhecimento de si naquele lugar. E este não reconhecimento trás certa dúvida, né, impossível não indagar-se se os fatos se desenrolaram daquela maneira que a gente conta. Cansei de repetir coisas que se tornaram verdades, vai que, né. Quantos erros terríveis são perdoáveis e até engraçados, e quantos amores não se tornam idiotas. Bom, grandes idiotas. Tento em vão guardar coisas, fotos, rabiscar bilhetes, como forma de consolidar algo - sei lá o que, ás vezes tenho dúvida também sobre tentar prolongar ou fazer de alguns fatos algo imutável, vai saber, enfeitar ou demonizar faz parte de uma construção de ser, não te faz indiferente a eles, e sempre te fazem revisitar formas de pensar a vida,  não sei bem o que quero dizer com isso. Mas é tão difícil organizar e disso tudo tirar algo útil.
Há pessoas, e há amores, bem resolvidos e não. Tem choro contido, choro chorado, tem aperto de mão, água, uma lesma, caixas e caixas, envelopes de carta, rabiscos antigos, esconderijos embaixo da cama, pirulitos, espera, meus pais, uma briga com a minha irmã, dormir com alguém, gritos, paçoca, limonada, sorvete, sol no umbigo, tem nirvana e floyd, roupão, um vestido de seda, bolinho de chuva, insetos, modos, aulas, logaritmos, vergonha, sexo, pêlos, bicho em nuvem, o eco de um porre, aflição, riso, saudades, mágoa, regimes,espelho,infância,bolinhas aleatórias, caminhadas noturnas,sapo,outra lesma,uma canção do Alceu Valença,vontade de morrer, vontade de viver, só vontade, um casulo, dois casulos, muitos casulos em mim, uma grande bolha, um garfo, um estouro, um útero, um afago, cabelos, joelhos, uma dança - infinita.

E se todas estas coisas juntas acontecendo ao mesmo tempo parecem confusas quando lidas, imagina dentro da gente.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Autorretrato

Queria assim, me fazer verso de poesia, ser deleite na boca de quem recita, suave e doce. Mas me transcrevo em frases muitas vezes mal entendidas, mal escritas e um pouco confusas de idioma único. Não preencho todas as linhas e muitas vezes dispenso o uso da pontuação. Sou atropelo de palavras, uma verborréia sentimental que não foi editada. Livro mal feito com capa improvisada, remendos de durex e alguns recortes de revistas. Trechos roubados de outros livros, sonhos de outras mãos - possuo infinitas referências mas nunca consigo seguir uma. Não trago nada novo, nenhuma descoberta, nenhuma palavra bonita ou rebuscada que enriqueça o texto. Não traduzo e não informo, e quem insistir em tentar encontrar algo por entre as páginas está sujeito a perder-se por entre as composições de palavras - muitas não são o que deveriam significar. Há partes rasuradas, e outras em que perdi a mão e a tinta escorreu, e há vezes que não há nada, enormes pausas, são meus silêncios, quando assumo que não tenho mais o que dizer.
Da confusão, apenas um apontamento coerente - Sou pura adversativa.

sábado, 1 de dezembro de 2012

Sem título

Tenho uma grande amiga,  dessas que não fazem questão nenhuma de te deixar felizes o tempo todo com seus comentários e que para te proteger da chuva são equivalentes a um guarda chuva sem a parte do tecido. É o tipo de grande amiga que te enxerga e te fala sempre a verdade. Te ENXERGA.

- Sabe Paloma, antes você escrevia, e era quase uma borboleta. Agora, tá sempre voltada para o seu buraco, sua bolha. Põe a cabeça para fora para ver o mundo, faz suas anotações e volta, tipo uma tartaruga.

Pensei que esta amiga era uma grande filha da puta. Depois dei uma risada e percebi que pra variar, esta grande filha da puta estava certa. E voltei pro meu casco.

Outro dia cheguei em casa e havia um periquito azul preso perto da janela

Outro dia cheguei em casa e havia um periquito azul preso em uma gaiola perto da janela. E não por acaso colocaram o seu nome de Gardel. Gardel, o periquito azul que um dia estava em casa em sua gaiolinha, de frente à porta da varanda. Tive uma breve conversa com ele, essas coisas que a gente diz para as pessoas quando elas chegam em um espaço estranho, mas ele não me percebia, ou pelo menos fingia que não. Ficava ali olhando para fora, para além do vidro, de vez em quando virava o rabo pra mim para mostrar seu desconforto e depois voltava a olhar para fora. Encostei a carona no vidro, daquele jeito que a minha mãe odeia, que depois deixa tudo marcado e ela tem que vir com aquele tubinho tshiiiiiiiiiiiiiiii tshiiiiiiiiiiiiiiiiii para limpar, e comecei a ver o que o Gardel via, ou acho que era, enfim, olhei para a mesma direção empoleirada no chão com a cara no vidro. Nestas observações me senti um pouco parecida com ele, afinal, estávamos os dois entre algum suporte que dizia nos guardar. Nossa mãe, que ideia colocá-lo junto da janela, justo a um passarinho na gaiola, e nossa! Que ideia de comprar um apartamento com sacada, com janela, que são apenas para olhar lá fora, seria menos cruel se não houvesse nada, assim não dava para imaginar. É Gardel, são tantas as obrigações ( ai ele fez um cocozinho na comida, deve estar em greve de fome), que eu acho que não vou ver nada nessa vida, ou quase nada. E essas coisas, quase importantes, são as coisas que nos tiram o sono, é quase divertido, você acharia se entendesse algo disso. No fundo eu acho que você entende. Principalmente a parte do QUASE. São coisas QUASE importantes, as muito importantes, as grandes coisas, aparecem aos nossos olhos um pouco menores que seu corpo de passarinho. A gente esquece em cima da mesa, junto do óculos e da garrafa de água, que também são coisas muito importantes. Ai quando se vai ver o que lembrou de carregar é quase sempre bobeira.
Quando tirei a cara do vidro, a prometida marca para ser limpa. Olhei o periquito azul, ainda em seu estado de contemplação, e a triste constatação de que realmente não eramos tão diferentes. A maior diferença talvez, era que ele era bem mais bonito do que eu.