domingo, 19 de maio de 2013

Notas sobre um anônimo

Insetos são realmente uma grande questão para mim. Não sei realmente o que pensar sobre o assunto, há um entendimento dentro de mim de que não se deve interferir em alguns sistemas que existem na natureza, mas aquele bzzzzzzz me põe histérica. Mas juro, tenho tentado. Começando pela percepção de que talvez, não se deva matá-los. E toda vez que tento internalizar estas questões, me aparece uma barata. Sempre.

Comecei pelas pequenas coisas: Tirava lagartas e taturanas do meio da passagem para que não fossem pisadas. Tirava bichinhos que se afogavam na piscina, afastava com pano as mariposas e assim por diante.
Não entendo qual a relação de insetos com água. Ou entendo, até hoje deito na beira da piscina e mergulho só a cabeça, até que alguém me chame, ou até que eu não consiga não respirar. Talvez eles gostem de molhar a cabecinha deles e caiam sem querer. Eu mesma já caí muitas vezes quando pequena e tiveram que me tirar. Afinal, havia algo em comum entre nós. Vinha com a rede e blupt, insetos para fora.
Um dia estava deitada na beira da piscina, com aquele solzinho de fim de tarde no umbigo quando ouvi algo bater na água. Era o bzzzzzzz mais alto que já ouvira na vida, mas tudo bem. Me preparei para pegar a rede, quando olhei o que havia caído. Era enorme, e aquela imensidão de várias patas gelou minha espinha, minha boca e meu cérebro por alguns minutos. Não sei que bicho que era, só sei que era grande e negro e abria e fechava suas asas de renda sem parar - mas não era desespero, era algo mais sutil, um pedido. É, quase um pedido de ajuda, digno, ponderado, bicho. Mas por algum motivo não pude. Tive medo de retirá-lo da água e de repente não sabia nem aonde estava a redinha, só conseguia observar. E as asas de renda continuavam sua dança mórbida na água. Tentei conversar com ele e explicar minha situação. Conversava com um tom aguado na voz, dando direções, explicando como podia sair. Empurrava a água de leve para direcioná-lo para perto da borda, ele só se deixava ir. Não estava entendendo. Comecei a falar mais alto, ouvia sons esganiçados saindo da minha boca, queria que ele entendesse o que lhe aconteceria se ele não fizesse força, pedia desculpas pelo meu medo. Meu corpo fazia sombra na água onde ele estava a abrir suas asas. Não sei quanto tempo durou o processo todo, há uma espécie de suspensão do universo nesses momentos de escolha, sabe, quando temos que escolher se seguramos na borda ou se desmanchamos na água. Sentei com uma vontade imensa de afundar a cabeça na piscina, aquele mal estar que não consegue escapar do corpo, fica preso na gargante, no quase sair que nunca acontece.
Do mesmo jeito que surgiu, se foi. Como se algum sinal tivesse tocado, algum sinal que eu não acesso, ele parou de se movimentar. Não foi gradual, nem compassado, foi com uma obediência de soldado- só parou, as asas fechadas, as patinhas, o corpo exageradamente negro. Assisti ao longo processo da morte, o corpo dele afundando. Não tinha mais sol, havia um defuntinho no fundo da piscina que seria sugado pelo ralo até se desmanchar e havia eu, sozinha, impotente e medrosa testemunhando o espetáculo promovido pela morte: engasgado e silencioso.

A rede da piscina estava na beira oposta, apoiada em um vaso perto de um pinheiro.

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