quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Viagem de ônibus

Não subi isenta naquele dia no ônibus que me traria de volta: e subi os degraus com um tom cômico de quem quer virar e sair correndo, sabe? correndo numa ânsia ÂNSIA de gritar, gritar muito uma alegria, um êxtase violento rasga-pele um riso alucinado e rodar e rodar e rodar e rodar e rodar mas não rodei, nem gritei só subi com vontade de descer e sentei do lado de um cara que não era o cara que eu queria sentar do lado, era um cara qualquer, e naquele momento qualquer um que sentasse não seria quem eu queria que sentasse porque ELE estava lá em alguma parte rodando e eu que quis tinha então que aguentar esses qualquer um que mandam mensagens avisando que estão voltando, li tudo, meticulosamente e corrigindo as sentenças daquele português que não era o português que tanto me fazia tremer de felicidade, a boca que tanto dizia coisas que me atrapalhavam: justo eu que nunca me atrapalho, estava ali querendo descer, o tempo inteiro, quase disse para o motorista parar, mas iria atrapalhar a viagem de outros 30 e tantos que queriam mesmo voltar, e eu não atrapalho, devia só voltar, quieta e feliz, rever minha cama e ouvir minha música favorita de todos os dias que não pude ouvir, ou não precisei: na verdade esqueci, e não lembro qual era a minha música favorita agora: sei só que nunca odiei tanto a estrada e quis que o ônibus tombasse pra eu sair correndo, sei lá por qual caminho, quais são os caminhos que nos levam pra casa? Adeus, e lá em casa alguém entenderia se dissesse que lá não é mais lá, porque eu quis descer do ônibus e quis me plantar na rodoviária como aqueles personagens de filme que esperam alguém vir buscá-los e tomam um café quente, que eu nunca tomaria pois odeio café? mas nesse momento até este sacrifício valeria: o café seria doce, e eu repetiria comigo é doce, é doce e é doce, sem saber o que era enfim, tão doce que me valesse os centavos gastos em um prazer de assistir o ônibus ir embora sem mim: olha lá onde eu não estou, o coração palpitando forte acenando para o banco vazio. Mas não foi o que aconteceu: subi, sentei e fui, sem estar isenta, com um velho conhecido entre as mãos, o burburinho das mil mariposas invisíveis, isso que há muito não se apresentava, que ressurge sempre sem nome: ou que apenas não ouso falar, carregado entre o umbigo e a coxa, fazendo cócegas que dão vontade de chorar baixinho com um meio sorriso para não o acordar, o cara do lado que estava sim muito feliz por ter subido no ônibus. Sussurrei no seu ouvido, entende? Para compartilhar qualquer coisa, que queria ter descido, mas acho que ele não se importou.

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