sexta-feira, 5 de setembro de 2014

Sob medida

Foi muito difícil não abrir seu álbum de fotos, exatamente hoje. Não sei se fui tomada por uma emoção literária que tomei emprestado, essas tão conhecidas suas, que estão sempre na intermitência de estourar quando me reconheço em alguma linha, não sei se foi o tal vídeo que assisti em uma exposição, bem megalomaníaca assim, palco de algumas lembranças que começam a se fazer distantes no banco dos instantes, o qual uma mãe fazia um apelo a memória de seu filho pai marido amigo enterrado como indigente, e se me embrulhou o estômago na perspectiva palpável do esquecimento e do derradeiro abandono de um corpo tão cheio de memórias, tão sentido e atravessado, perverso no seu próprio irreconhecimento e momentos de distância de si no desvario cotidiano. Não sei o que foi, talvez tenha sido saudade, talvez. Saudade, sei lá de que, pois em mim não se configura nenhuma imagem ou momento, mas sinto ali, na base da coluna uma continuidade que me ultrapassa a carne, como um outro corpo que pesa e se arrasta junto: vem abraçado na minha cintura com um olhar terno e cansado, sempre olhando para trás. Mas abri e vi sua foto, as muitas fotos de todos os vocês que eu já não reconheço, simplesmente me escaparam e me peguei pensando se algum dia conheci qualquer um desses que vão se apresentando, desfilando baixo a vista em sorrisos e caretas que tanto me faziam rir. Faziam? Não lembro. No transportar das bagagens deixei alguma no meio do caminho, não sei se propositadamente ou na distração: essas que sempre tomaram conta de mim. Na cabeça sua vaga imagem transitando por este corpo que tanto quis te guardar, mas que você só coube na ausência: é que ele foi feito na medida de mim.

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